25.08.2015 Views

A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

Untitled - Luso Livros

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

carcomido, com um único galho e uma folhinha a nascer, caía um luar tristeque as nuvens prestes sufocavam escurecendo o quadro — para quase logo omonte outra vez aparecer com a fuga das árvores de súbito estancada... Eranesse sítio deserto que gostava de tocar só para os desgraçados.Sob a claridade vaga, a paisagem parecia criá-la a música, outra paisagemestranha, escalvado e soturno lugar de sabat: oliveiras torcidas e cinzentas,convulsos no ar os braços, despenhando-se pela vertente; à esquerda umcalvário, três cruzes como três forcas no alto, em baixo a nódoa da planície, oborbulhar de multidão esparsa, que se imobilizara petrificada. Era um mundode fantasmas o que enchia a noite... Os sons entranhavam-se na escuridão efaziam estremecer as sombras até que ele parava de tocar e o silêncio caíacomo a tampa de uma cova... Outra vez a música começava num gorgolejo,arrepiada de dor, vaga, dúbia claridade misturando-se ao luar entre nuvens, eperturbava-nos como um crepúsculo sobre águas mortas: pouco a poucoalastrava-se pela paisagem, sinfonia de almas a errar numa névoa lilás...Na noite acarvoada, as névoas empastavam-se, com feixes macabros deluar, o vale a repercutir agora as risadas do violino, a Catedral de umaimobilidade acusadora no alto. E, esguio, K. Maurício evocava uma planícierasa, sem árvores, de uma única cor monótona, onde como um rebanho, nessaclaridade de agonia, passavam, com olhares de desespero, os grotescos, ossonhadores e os doentes...

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!