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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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desgraça! — ter vivido, tudo vivi. Eis a razão de ao lado da minha amargura,do feitio azedo, de perseguido, que há em mim, uma outra porção da minhaalma estar cheia de ilusões, de candura e de lágrimas: é que tem sido porimaginação e não na realidade que vivi.Tenho medo de morrer. Porquê? Pelo desconhecido: e muito mais meaterra outra vida, consciente, do que o repouso, ser couve, árvore, macieira domeu quintal. Tivesse eu a certeza de que a morte era apenas a transformação enada de pior, e, morto, me plantassem uma árvore, um simples espinheiro nacova, e toca a ser seiva, a ser flor, a apanhar sol, sem sofrer e sem coração esem pensar. O que me aterra é encontrar-me depois com não sei quê deespantoso, de cova... — O que me aterra e o que me atrai.Serei eu incompleto? Sou apenas um duro egoísta, sem alma, capaz de meenternecer mas incapaz de uma grande dor? De tudo sentir, mas não de sofrermuito?Homens de génio há que morrem-lhes os filhos e ficam secos, morrem-lhesas mães e ficam secos, e porque um certo dia, numa certa hora, pisaram umbicho, é como se lhes tivessem calcado o coração!... Assim, conheci umhomem que fugia de casa a chorar todas as vezes que o hortelão podava asfruteiras do quintal, e deixava a mãe morrer à fome! E estes homens sabemdescrever a dor como ninguém, contam-na, por imaginação, nos seus livros,tão sofrida que nos fazem chorar.

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