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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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que dentro em mim se encarniça, raivosa e má, com invejas, pragas, coisasmesquinhas, tumultuárias e indefinidas...A vida parece-me uma má tragédia onde as criaturas são despedaçadas porentre lágrimas, berros de pavor e risadas de escárnio. Tenho visto gentecrescer, amigos mortos, catástrofes, árvores que se cobrem de flor, noites tãohúmidas de luar e de vozes dispersas que dão vontade de morrer. Que faço euaqui? Não acredito em nada a valer, não tenho fé, nem sou capaz de mesacrificar por uma ideia: vou no vagalhão, empurrado, arrastado ao sabor dasventanias. Parece-me que já vi tudo e já senti tudo. E no entanto tenho medode morrer e ponho-me a pensar às vezes que só vale a pena viver para sonharnoutra vida melhor: para tecer quimeras, ideias... Mas tudo isso é tãofugitivo!...Vi que a multidão é má e se ri e despedaça, indiferente, criaturas; vi que háhomens tão desgraçados que até na dor são ridículos. As suas amargurasfazem rir a multidão. Nascem para sofrer, eternamente perseguidos,encolhidos, habituando-se até à desgraça...Outros têm na vida um método e vão por aí fora e tudo subordinam àssuas ideias, torcendo a vida p'ra que ela caiba dentro de regras. Riem, choram,atropelam-se. Sofrem e f azem sofrer. E as árvores gelam de flor, há noites detanto luar que fazem palpitações de coração. Tudo em torno é indiferente aesta tragédia, em que uns não sabem para que representam há tantos séculos, e

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