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estancar as gargalhadas e pensar na miséria... O Palhaço era o seu únicoamigo.Visto que se pusera a amar Camélia, o clown atraíra-o como a decifração deum mistério, ou como a desgraça alheia encanta a nossa própria desgraça.Encontrava-o sempre deitado à porta do camarim de Camélia e nos olharesdo louco surpreendera porventura um mundo de amor. Era decerto como eleum infeliz. A pouco e pouco conquistara-lhe a amizade. Bebiam juntos e, denoite, terminado o espetáculo, partiam de conversa pela cidade. Era singular odiálogo, cheio de grosserias e de ideal, palavras raspadas na alma de cada um,gritos, frases que estremeciam de dor.A Cidade para aqueles sítios é cheia de negrume e de velhos palácios ecasebres onde gerações inteiras passaram a vida, com as suas angústias e assuas alegrias. Corações bateram, almas floriram. Teceram-se obras de génio ecanduras. Não há ali pedra que não saiba contar crimes e amores e, decerto,cada calhau, a princípio inerte, criou coração, sensibilidade e alma. Ou queremacaso sustentar que as coisas ficaram gélidas, sem se influenciar por todas asvidas dos que por ali transitaram?... A mim, nestas noites de luar caladas emisteriosas, me parece distingui-los, aos duendes, errantes em torno de cadaprédio, e revivendo antigos dias de felicidade e de angústia. Vejo distintamenteque se despegam das pedras, ideias, gritos, falenas escuras, que esvoaçam uminstante e se perdem na noite, com um sussurro de asas ou de vozes tristes.