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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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ficava então de olhos postos na árvore. Contemplava-a. Como o Rei, ela eraseca e hirta — fora-o sempre — e os seus frutos cadáveres ou corvos. Àpassagem de Abril e dos mendigos, tudo à volta se transformava: só elaquedava inerte diante da vida e do amor, a árvore trágica que havia séculosservia de forca.Um dia o Rei soube que dois seres felizes tinham transposto as fronteiras emandou-os logo prender. Nas últimas noites sentira-os nos espinheirostúmidos, nos sapos dos caminhos que pareciam extáticos, nas coisas queestremeciam, na noite magnética cheia de murmúrios, no vento que atiravapara o castelo ramos luminosos de árvores. Punha-se de ouvido à escuta, e aterra, a noite e o mar sufocados iam talvez falar, iam enfim falar!...Quando os soldados os trouxeram ao Palácio, com eles entrou um bafonovo: cheiravam a sol e à lama dos caminhos e pegava-se-lhes húmus aos pésdescalços. A vida rompeu por aquele túmulo dentro e, pois que iam morrer,dir-se-ia que a morte, em lugar da foice simbólica, pela primeira vez trazia nasmãos um ramo de árvore.Dois mendigos e amavam-se! Nem sequer eram extraordinariamente belos,mas deles irradiava uma força imensa — daquela rapariga sardenta, comresquícios de palha pegados aos cabelos, daquele homem cuja carne apareciaentre os farrapos. Não davam pelo Rei, não davam pela Morte. Amavam-se.

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