é vã como os berros daquele bêbado que se roja pela lama. Não creias! Nãocreias! Que não acredites no desconhecido, quando a tua alma é feita de umaporção de infinito amassado em terra! Não acredites que os mortos voltem, enão tarda que eles venham chorar desesperadas lágrimas ao pé de mim!...Vomita, estúpido, vomita na alma!... A esta hora os poetas começam asonhar, os criminosos a tecer os crimes, e quantos dramas no escurecer,quando as lágrimas se não veem e só os soluços se ouvem, se passam entreparedes frias, nesta aflitiva hora do crepúsculo! A pobre costureira, que sedebruça sobre o tecido para ver ainda, por certo se lembra de um amor jáfindo e deixa cair lágrimas sobre o linho gelado como as suas ilusões mortas; etu, cuja janela aberta dá para o mar largo, em que estás a pensar, de olhosabsortos, como se o visses, ao afogado, teu noivo, aparecer para as suasnúpcias?... É certa, é certa, pois, aquela história da rapariga a quem onamorado morreu no mar e que o viu um dia, nesta hora angustiosa docrepúsculo, sair lívido e amortalhado da espuma, levando-a para sempreconsigo?...Tudo tem vozes, a esta hora, as ervas humildes e as secas pedras. Tudo tembocas. Lembra-se a gente de olhares que não sabe já de quem são, de perfisperdidos, de corações que cessaram de bater...Tudo em mim me diz que tu existes. Não viveste, mas és uma criação domeu espírito. Existes mais do que se pertencesses à realidade. Como, de
contrário, explicar as lágrimas que choro por ti, o estado de alma indefinidoem que fico nas horas tristes do dia, quando parece que a minha emoção seespalha pelas coisas e uma ânsia erra? Pertences ao sonho e és a única mulherque amei. Amei-te e adorei-te. Sonhar é bom — mas não é tudo... E depoisescuta: ainda esta noite, quando eu bebia o luar, senti que te tinhas sentado aopé de mim... Ouvia a tua respiração lenta, e não me voltei para que nãofugisses, mas, sem que reparasses, devagarinho, pude ainda ver os fusos dosteus dedos. Outras vezes acordo alta noite, certo de que me chamaste, e játenho também sentido, quando choro muito, que me poisas a mão nocoração, pois que a dor súbita se estanca... Como, de contrário, explicar aprópria vida, amarguras, lágrimas, tédio e rotina, a vida que só tem de belo osonho?...Ainda esta tarde, na hora de crepúsculo sobre todas amada que escolhopara pensar em ti, eu tive uma visão... É singular! Muitas vezes tenho visto osmeus mortos queridos, e a minha mãe quantas noites não tem aparecido ao péde mim, desfeita em choro!... É singular como os sábios negam aquilo que nãosentem ou não viram!...Espera!... Espera!... Vou sonhar e vou criar à minha vontade a atmosferapara viveres comigo.Foi noutro tempo, num tempo em que me parece que era sempre Maio, elonge de todos os corações gelados e dos sorrisos postiços. Havia árvores,
- Page 2 and 3:
A MORTE DO PALHAÇORAUL BRANDÃOEst
- Page 4 and 5:
PREÂMBULOA cada passo se formam po
- Page 6 and 7:
Outro momento e tudo isto desaparec
- Page 8 and 9:
Aos que se alimentam de sonho chega
- Page 10 and 11:
esgoto de lama amassada em lágrima
- Page 12 and 13:
feitio de encolhido, gestos desajei
- Page 14 and 15:
Mas ponho-me a pensar: Que importa
- Page 16 and 17:
contacto com o mundo. Cheio de entu
- Page 18 and 19:
Ninguém bulia. Que quimera doloros
- Page 20 and 21:
Morrer é não sentir, não ver, n
- Page 22 and 23:
CAPÍTULO IA CASA DE HÓSPEDESSingu
- Page 24 and 25:
Vocês todos têm pensado na vida d
- Page 26 and 27:
— Desaforado... Cite factos, ench
- Page 28 and 29:
grande, como um pintor que na febre
- Page 30 and 31:
E ele, descendo as escadas, com jú
- Page 32 and 33:
Tomado de respeito por tanto saber,
- Page 34 and 35:
E assim as casas, as paredes e as c
- Page 36 and 37:
CAPÍTULO IIHALWAINUm grito, um gri
- Page 38 and 39:
mesquinho, impotente, tenho a certe
- Page 40 and 41:
CAPÍTULO IIICAMÉLIARompeu a sinfo
- Page 42 and 43:
de cetim escarlate ou verde, calvos
- Page 44 and 45:
Calábria, e porventura amado por u
- Page 46 and 47:
falavam com os outros artistas, e e
- Page 48 and 49:
E tudo na treva é fantástico. Uma
- Page 50 and 51:
irrealizados, as ilusões que flutu
- Page 52 and 53:
A sua timidez era enorme — maior
- Page 54 and 55:
viveres — e a realidade obriga-te
- Page 56 and 57: O Gregório estoirava. Fora sempre
- Page 58 and 59: — Como mulheres deitadas, de enor
- Page 60 and 61: — Pode cair o pano!Esta estranha
- Page 62 and 63: E ele confessou a tremer:— Amo.O
- Page 64 and 65: — Porque não experimentas tu as
- Page 66 and 67: Não sei bem que impressão amarga
- Page 68 and 69: E o Pita, sabedor da vida e de todo
- Page 70 and 71: Todo o vasto circo cheio de ruído
- Page 72 and 73: A seguir Lídio trabalhou. A toda a
- Page 74 and 75: tarde para a recomeçar! — E era
- Page 76 and 77: trapézio tecendo com os braços a
- Page 78 and 79: O Diário de K. Maurício é consti
- Page 80 and 81: comigo um dos múltiplos seres de q
- Page 82 and 83: — coveiro que anda a abrir a pró
- Page 84 and 85: Desolação infinita destas noites
- Page 86 and 87: inéditos de alma, se dissesse toda
- Page 88 and 89: Ao contacto da vida cada vez me deg
- Page 90 and 91: Eu estou doido! A minha vida é uma
- Page 92 and 93: os outros, de tanto escutarem, vão
- Page 94 and 95: desgraça! — ter vivido, tudo viv
- Page 96 and 97: opalino, por um azul do céu que os
- Page 98 and 99: estremece, de tal maneira que me qu
- Page 100 and 101: Sensibilidade exasperada, com ímpe
- Page 102 and 103: A verdade é que a minha alma é se
- Page 104 and 105: vida ser só isto, por o sol brilha
- Page 108 and 109: árvores com grandes cabelos verdes
- Page 110 and 111: ir encontrar no infinito, pois que
- Page 112 and 113: uma fonte... Andei, era a hora: lá
- Page 114 and 115: fingir que tenho afeições e admir
- Page 116 and 117: instante me faças tropeçar e faze
- Page 118 and 119: 3ª PARTEOS SEUS PAPÉIS(Contos e t
- Page 120 and 121: Esta feição, que transparece na p
- Page 122 and 123: A LUZ NÃO SE EXTINGUEUma luz que s
- Page 124 and 125: cada vez mais. O padre senta-se num
- Page 126 and 127: O MISTÉRIO DA ÁRVOREEsgalhada e s
- Page 128 and 129: ficava então de olhos postos na á
- Page 130: Só a árvore esgalhada e seca o pr
- Page 133 and 134: Supunha-se no país que ele se form
- Page 135 and 136: Cada ano, em Abril, a procissão do
- Page 137 and 138: avança a fila dos noivos, branca e
- Page 139 and 140: SANTA EPONINASanta Eponina era tão
- Page 141 and 142: Como soube que nas concavidades dos
- Page 143 and 144: Oh como a noite é grande, imóvel,
- Page 145 and 146: matilhas esperá-la à beira dos ca