25.08.2015 Views

A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

Untitled - Luso Livros

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

estremece, de tal maneira que me quer parecer que ela é também viva e sesente feliz por viver e noivar.Porque é então que tenho medo de morrer? É esta transformação que meaterra?... E eis o que na primavera, diante da Vida, me ponho a pensar.Se eu pudesse com a consciência de mim próprio ir ser árvore de caminho,macieira de quintal, deitar galhos, encher-me de floração, ser feliz com o sol,com a primavera, com o azul, dizer comigo muito contente, e muito baixinho:Olha, lá vai aquele homem trabalhar, sofrer... — que me importava a morte?...Se eu soubesse que, bicho, forte, vivaz, à espreita numa toca, dizia comigo:Espera, lá vai aquele poeta a tecer!... — até era amigo da Morte!... O que mecusta, afinal, é a perda da minha personalidade: habituei-me, de tal maneira, aosofrimento, que me custa a deixá-lo e a ser feliz. E vale realmente a pena?Vejamos: o que faz a minha desgraça, e a nossa desgraça, é a consciência e oraciocínio. E é isto exatamente o que me custa a perder. Porventura um bichose põe a pensar: fiz mal ou fiz bem?...E eis que também, ao ver grandes árvores fortes, sinto que tenho pena denão ser assim, de não deitar galhos, dar sombra, esfuracando a terra comraízes. Decerto alguma porção do meu ser se lembra de ter sido pinheiro...Vocês nunca ouviram, numa noite babada de luar, um escorrer triste de água,como vozes a chamar, a chorar? É a água que se lembra de ter sido árvore,gente, e reluz... Para a minha esquerda tudo está coberto de floração: parece

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!