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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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som magoado como uma viola que se parte. Ficaram-me na memória restosde caras aflitivas, linhas, esgares, corpos hirtos e rapados. Toda a turba fugira,subindo um calvário, descera o monte, alagara o vale, terras nuas até aohorizonte acarvoado, com um brilho de dúbia claridade quieta ao meio... E,porque as nuvens alastrassem, desaparecera, comida da treva, como se atragasse, num grande silêncio, a própria noite.Mas a claridade cortou outra vez o céu, uma claridade baça, imóvel, emfeixes, iluminando metade do monte, metade do vale, deixando o resto nonada, uma grande mancha alastrada sobre a vertente da esquerda, e a multidãoapareceu, indecisa, fugidia, adivinhada extensa na luz dúbia, a encher toda aplanície, como num carvão de Sequeira, e troncos contorcionados, facesarrepiadas, contrações de dor, misturavam- se, a subir, a esgadanhar-se, numafúria de vida... E, como a luz caísse então para o fundo, toda a planície secoalhava da turba. E os gestos que eu fazia repetia-os a multidão, e risosbaixinhos, como um chapinhar de maré, iam agora do princípio ao fim daplanície...Sucede-me às vezes ir pela rua fora e ter a impressão de que toda a genteparou a olhar-me. Não me volto para não endoidecer, porque tenho a certezaque dava com a multidão parada, imóvel, a olhar para mim, não com a mesmacara indiferente em que fingem não me conhecer, mas com a outra dolorosa,com a cara trágica da verdade com que as encontro no sonho. Os risos, oiçoose perseguem-me como o chapinhar da maré que sobe...

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