25.08.2015 Views

A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

Untitled - Luso Livros

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A sua timidez era enorme — maior o seu orgulho. E com isto encontravana alma delicadezas em que nunca pensara, carícias, restos de olhares,balbuciações quase infantis, que o deixavam absorto e aniquilado.Era certo: Camélia não o podia amar, e nem ele se atrevera a dizer-lhe a suapaixão. Antes queria viver arredando a realidade sempre má e brutal. Sonharainda, sonhar sempre, mais valia que ouvi-la rir-se, despedaçar com o escárnioo seu amor. Tinha então, nas noites de circo, quando clamava, ao mesmotempo que Camélia galopava no corcel negro, confissões que se arrependiam,olhares que exprimiam a paixão, para logo se transformarem, sem seatreverem a ir até ao fim, em hilaridades. As suas palavras ardiam por vezes,para de súbito caírem como bexigas a estoirar. Os seus gestos começavamnum frenesi a contar o que sofria, para acabarem por se torcer em epilepsiasde cómico; e a sua boca ia num esgar a vociferar, arrebatado, doido, anarração da dor, e terminava numa gargalhada estrondosa de palhaço. Oorgulho não o deixava. Se ia a confessar-se, uma voz lhe pregava na alma: —Olha que ela vai rir-se de ti! Pois tu não vês como és desprezivo e cómico,Palhaço! Olha que ela vai fazer escárnio do teu amor, da tua paixão, das tuasnoites febris!... Beija com sofreguidão, calvo e grotesco, a sua carne demármore, a vaga do seu peito, mas em sonho! Afunda- te, passa horas à beirados seus olhos misteriosos, negros e profundos como lagos, mas emimaginação!... Que mais queres tu? Diz-lho e nem permitido te será sonhar!Diz-lho e os seus risos despir-te-ão, mostrar-te-ão sem ilusão, ser grotesco,

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!