Ninguém bulia. Que quimera dolorosa, com espirros escarlates de sonho,lhes incendiava as almas, chuva de estrelas cadentes na noite negra e funda!Cada um se punha para o seu lado a sonhar e aquilo quase os aureolava, aospobres, todos eles grotescos, doentes e tímidos! Cada um se agasalhava com apúrpura daquela quimera, e puxava a si, dedos afiados e sequiosos de gozo, osrestos enlameados do seu próprio sonho. Era um bando que se sumia nonegrume e a que o negrume dava relevo e mistério — o bando de espectrosque o seguiam como sombras.A música do homem do violino corria com o luar e dizia-lhes tudo o queeles não sabiam exprimir: o mal da vida, a dor inquieta que por vezes, semcausa, lhes premia o coração, o que era a morte, a ambição e o amor. Oespectro de uma oliveira torcia-se, esvaída da dor que o violino espalhava. Eencolhidos, de olhares extáticos e arrepios de febre, punham-se a pensar: Quemal excecional é este de viver? E porque é que tanta criatura que sofre cravaas unhas desesperadas na vida, sem a querer largar?...Porquê esta ânsia de querer viver a vida dura e egoísta ou, o que é pior,aborrecida? Os dias seguem-se aos dias, o sol não aquece, os amigos têmsempre a mesma cara e a mesma afeição, que afinal irrita e desespera.Cuidado, porém, em não a experimentar, se a gente quer ter ainda ilusões naalma! Todas as manhãs se acorda com um pedaço maior de secura e estapergunta: Para quê? Para que vivo? Para que nasce o sol, a água corre e asárvores continuam a ter flores a cada primavera que chega? Parece que já se
assistiu a tudo, depois de a gente ter visto como todas as coisas sãoincompletas e diferentes do ideal que talhamos. Se tudo se sonhou, como nãoachar tudo pequeno e não ter em frente das sensações de perigo ou de prazerou — era só isto? — de espanto, que sobre cada uma repetimos — únicaspalavras que o tédio sabe dizer, depois da imaginação ter falado. A mesmacoisa sempre, as mesmas caras, as mesmas emoções, as mesmas ideiasremoídas, e também a mesma raivosa aspiração de ideal, a luta entre a lama e aalma, a sofreguidão inapaziguada de sonhar.A vida é boa quando de todo se perdeu e se tem pena de não se ter vivido,como a água de um rio, depois de haver chegado ao mar, chora por nãoapanhar mais sol e banhar mais raízes de árvores. Custa a perdê-la, porque setem sempre a esperança de se encontrar um lugar, um momento, em que seconstrua a quimera; custa a perdê-la, pelo que está fora dela — o Sonho.Como um tronco que arde e se extingue, tem-se pena de não se deitar maislabareda e de se não ser ainda brasido; por tudo o que se não realizou, portudo o que se deixou fugir. Quando se morre, o que se debate ainda dentro denós com fúria — é a quimera. O que me custa a deixar não é o corpo, é a almainquieta. Com a morte agarrada a mim, porque é que cravo as unhas na vida,raivosamente? Porque quero sonhar, tirar das coisas, das árvores, da luz, dasflores, materiais para ilusões. Ao que cada um se prende é às suas aspirações,às suas penas e não à matéria e ao corpo!...
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instante me faças tropeçar e faze
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cada vez mais. O padre senta-se num
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O MISTÉRIO DA ÁRVOREEsgalhada e s
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