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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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O Diário de K. Maurício é constituído pelos pedaços de alma que aí vão. Éum monólogo destacado e rouco, com frases incompreensíveis e quase semligação. Alguns pedaços eu corto: é que há coisas que se não publicam —farsa para que os outros se riam, dores para que os outros sintam piedade.Lembra-me um clown que tivesse por força de fazer rir a multidão ignara.Esses corto-os e para mim os guardo; os outros aí vão, apesar de ver queperdem o interesse com que sangram aqui, no caderno de papel gelado, nestessarrabiscos que têm vida e contam a sua dor.Tal como são, dão-me, porém, o que nesse tempo, já remoto, se chamavaum estado de alma. Parece que ele, em noites de desespero, fazia literatura dasua dor, para se esquecer. São frases bruscas às vezes, páginas entrecortadas emonólogos espremidos do fel. E de súbito, num acesso, julga-se ouvir umaboca dizer-nos, na noite e ao ouvido, segredos que nos transem.Todo este Diário é áspero, com frases inacabadas, monólogo de quem vainuma subida a pique, mas, como é vivido e sofrido, amo-o e enternece-me,como se o próprio K. Maurício, numa longa conversa, me mostrasse a suaalma de grotesco, incompleta, mas tão dolorida e tímida, que me enche depiedade. A cada ilusão morta, como a sua sensibilidade estremece e como elechora! Que estranho pessimista este, tão ingénuo! Decerto que nem semprefoi sincero, mas no Diário raramente pensou que teria leitores, assim como

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