25.08.2015 Views

A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

Untitled - Luso Livros

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O Gregório estoirava. Fora sempre pálido como os ofícios que escrevia.Nunca vira mulheres: passara a vida sobre o papel da repartição. Nunca tiveralágrimas, coração, alma. Ouvira falar em árvores e paisagens e havia anos quea doença o atirara para um quarto da casa de hóspedes de Dona Felicidade.Hóspedes eram, bem sabem, o Pita, uma troupe de palhaços, o Anarquista e oDoido. Pelos fins dos meses havia terrores, pragas. O Pita, porém, intervinhacom a sua ciência da vida: fechavam-se as navalhas e a Dona Felicidadeescrevia garatujas de contas no livro das Perdas e Danos...Às vezes o Pita metia-se no quarto do Gregório a encharcá-lo de quimeras.— O pequename!... Você nem sabe o que perdeu, meu rico senhorGregório... Há- as por aí das mais belas carnações de frutas, polpasaveludadas, olhos verdes e quietos como lagos... O pequename, amigoGregório, é a consolação do mal de viver...— E os requerimentos, ilustríssimo e excelentíssimo senhor?...O Pita tinha piedade dos grotescos que nunca amaram nem viveram, e quetrazem na alma apenas restos de frases, detritos de ideias, conceções em feto.E, pois que o Gregório nessa noite agonizava, ele, que, ao contacto da morte,deitava sempre a filosofia de fora, pôs-se a tecer:— O que alguns têm no pequename a mais, tem este desgraçado a menos.Ir para a cova sem ter possuído ao menos uma mulher, sem lhe ter lido nosolhos poemas de adoração e de perversidade! Vou-lha arranjar!...

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!