— Como mulheres deitadas, de enormes seios duros e verdes, inteiramentediluídas em verde, meu rico senhor Gregório.E pois que ele ficara absorto, de olhar perdido, num esforço de imaginaçãopara ver, o Pita escreveu na parede a lápis: intervalo de vinte minutos parasonhar.Depois, a outro sinal, o Anarquista entrou e, em palavras frias, em frasesincisivas e curtas, pôs-se a narrar a miséria, os que morrem despedaçados naengrenagem da vida, os exasperados, o ouro que tudo calca e de tudo triunfa,e, num gesto largo, como se arredasse as paredes do quarto, fez-lhe ver aMultidão, no futuro, tolhida de fome e de ideal, despedaçando tudo,aniquilando tudo num enxurro raivoso.— E nunca mais haverá requerimentos? — perguntou numa ansiedade oGregório.— Nunca mais! Nunca mais!...E o poeta avançou e recitou um grande poema de amor, complicado ebizarro, até que o Pita baixinho resmungou:— Abrevia, menino, abrevia, senão ele estoira antes de findar o espetáculo.Efetivamente o Gregório agonizava quando o Pita introduziu a Velha,ainda a fazer-lhe supremas recomendações e procurando compor-lhe ummolho de cravos de papel que ela trazia no seio.
— Faça-se silêncio, respeitável Dona Felicidade.E todos arrumados à porta, os palhaços, como restos de mantos pomposos,o Doido estarrecido, esperaram, enquanto o Pita espreitava pelo buraco dafechadura...Quando entraram no quarto, o Gregório tinha os cabelos revolucionados eo olhar perdido. A mulher acocorara-se a um canto.— Não quero morrer ainda! Não quero morrer!...— Viste tudo, Gregório... O estupor da vida é assim e agora seria repetirsempre a mesma coisa, maçada inútil, meu rico amigo!... A morte liberta. Vaisser árvore, paisagem, cor, nuvens de poente... Vais ser livre... Restos de chefede repartição hoje, amanhã lábios de mulher ou alma de Poeta... Papelada friaque em breve se transformará em emoção e em lágrimas... É o último esforço:mais uns minutos de dor apenas, para nunca mais pensares...— Pita, senhor Pita, ilustríssimo e excelentíssimo senhor, que é que fez àminha alma?...— Abri-lhe um rasgão para que o sol entrasse; cores do poente, espirros delume, enchi-te de quimeras antes de morreres...E todos se curvaram em volta do catre, os palhaços mascarados, roxos,purpúreos, a Dona Felicidade, o Poeta, para verem o ultimo esgar doGregório, enquanto o Pita berrava:
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instante me faças tropeçar e faze
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Esta feição, que transparece na p
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A LUZ NÃO SE EXTINGUEUma luz que s
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cada vez mais. O padre senta-se num
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O MISTÉRIO DA ÁRVOREEsgalhada e s
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ficava então de olhos postos na á
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Só a árvore esgalhada e seca o pr
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Supunha-se no país que ele se form
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Cada ano, em Abril, a procissão do
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SANTA EPONINASanta Eponina era tão
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Como soube que nas concavidades dos
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Oh como a noite é grande, imóvel,
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matilhas esperá-la à beira dos ca