uma fonte... Andei, era a hora: lá no alto, ao pé da cruz, a esperei — pois quenão tardaria que ela viesse, eu bem o sabia.Por baixo de mim a pedra, a terra húmida, estremeciam: todos os detritos, ovelho pó que havia sido outrora flor, a cinza que fora cérebro, a terra que selembrava de ter batido em coração — se tinham posto a falar, a agitar-secomo milhões de pequeninas almas, e toda a montanha tinha vida, gritava sobo luar a escorrer, prendendo-se em fios nas árvores, desembainhando punhaisnas moitas...És tu que vens? És tu? Uma grande serenidade caíra sobre o meu coração,que nunca pulsara tão rítmico, tão forte, tão alto... Olhei-te: estavas atrás demim, de mãos estendidas, e na tua boca, em todo o luar de que és feita, haviaum sorriso extático...Há que tempos, há que tempos eu o esperava! Todo o meu desespero eraremorso, todos os meus gritos, todas as minhas palavras vãs, não exprimiamsenão a pena de não te ter sabido amar, senão a certeza de que nunca meperdoarias — de que eras feita de luar e eu de lama negra.Desci até à matéria, muitas vezes fui atrás de seres grosseiros que meatraíam. Muitas vezes me enlameei — mas só tu, que não existias, foste o meuverdadeiro, o meu único amor. Trouxe-te sempre escondida como numsacrário e as melhores horas do meu dia reservei-as sempre para pensar em ti,
para sonhar contigo, que não existes — e foste sempre para mim a únicarealidade.Estendi-te os braços, caí a soluçar, desfeito em lágrimas...É dia de entrudo hoje. Toda a vida é aborrecida e nula. Só tu me restas,minha vida. A vida é como aquele bêbado que anda aos tombos na lama e queme degrada, apesar de eu o não ver... Espera! Espera! Só o sonho existe. Crieite.Vou eu mesmo procurar-te: daqui a duas horas a pistola aperrada terá,enfim, por uma ligeira pressão no gatilho, para sempre unido à minha vida atua vida...Ó Morte libertadora, tu que acalmas todos os desesperos e resolves todas asdúvidas, aperta-me enfim nos teus férreos braços. Morte! Estou cansado.Tenho de há muito uma ferida no cérebro e o coração estoira-me de bater.Adivinho em ti o sonho sem limites. Tudo o que me pode acontecer de pior éprocurar o desconhecido e encontrar o nada. Mas isso mesmo vale mais doque o tédio e a aborrecida, a nula vida. Virei já do avesso todos os sonhos,esgotei-os, fui tudo em imaginação e não o fui na prática, falho de energia.Imaginei ser Deus e imaginei ser árvore. Estou farto de ver o sol e assisti já avárias primaveras. Conheci homens e países. Faço trinta anos e a vida vai paramim — se não tenho a coragem de procurar-te — reduzir-se a um hábito:adormecer com o mesmo sonho, cumprimentar com o mesmo frio sorriso,
- Page 2 and 3:
A MORTE DO PALHAÇORAUL BRANDÃOEst
- Page 4 and 5:
PREÂMBULOA cada passo se formam po
- Page 6 and 7:
Outro momento e tudo isto desaparec
- Page 8 and 9:
Aos que se alimentam de sonho chega
- Page 10 and 11:
esgoto de lama amassada em lágrima
- Page 12 and 13:
feitio de encolhido, gestos desajei
- Page 14 and 15:
Mas ponho-me a pensar: Que importa
- Page 16 and 17:
contacto com o mundo. Cheio de entu
- Page 18 and 19:
Ninguém bulia. Que quimera doloros
- Page 20 and 21:
Morrer é não sentir, não ver, n
- Page 22 and 23:
CAPÍTULO IA CASA DE HÓSPEDESSingu
- Page 24 and 25:
Vocês todos têm pensado na vida d
- Page 26 and 27:
— Desaforado... Cite factos, ench
- Page 28 and 29:
grande, como um pintor que na febre
- Page 30 and 31:
E ele, descendo as escadas, com jú
- Page 32 and 33:
Tomado de respeito por tanto saber,
- Page 34 and 35:
E assim as casas, as paredes e as c
- Page 36 and 37:
CAPÍTULO IIHALWAINUm grito, um gri
- Page 38 and 39:
mesquinho, impotente, tenho a certe
- Page 40 and 41:
CAPÍTULO IIICAMÉLIARompeu a sinfo
- Page 42 and 43:
de cetim escarlate ou verde, calvos
- Page 44 and 45:
Calábria, e porventura amado por u
- Page 46 and 47:
falavam com os outros artistas, e e
- Page 48 and 49:
E tudo na treva é fantástico. Uma
- Page 50 and 51:
irrealizados, as ilusões que flutu
- Page 52 and 53:
A sua timidez era enorme — maior
- Page 54 and 55:
viveres — e a realidade obriga-te
- Page 56 and 57:
O Gregório estoirava. Fora sempre
- Page 58 and 59:
— Como mulheres deitadas, de enor
- Page 60 and 61:
— Pode cair o pano!Esta estranha
- Page 62 and 63: E ele confessou a tremer:— Amo.O
- Page 64 and 65: — Porque não experimentas tu as
- Page 66 and 67: Não sei bem que impressão amarga
- Page 68 and 69: E o Pita, sabedor da vida e de todo
- Page 70 and 71: Todo o vasto circo cheio de ruído
- Page 72 and 73: A seguir Lídio trabalhou. A toda a
- Page 74 and 75: tarde para a recomeçar! — E era
- Page 76 and 77: trapézio tecendo com os braços a
- Page 78 and 79: O Diário de K. Maurício é consti
- Page 80 and 81: comigo um dos múltiplos seres de q
- Page 82 and 83: — coveiro que anda a abrir a pró
- Page 84 and 85: Desolação infinita destas noites
- Page 86 and 87: inéditos de alma, se dissesse toda
- Page 88 and 89: Ao contacto da vida cada vez me deg
- Page 90 and 91: Eu estou doido! A minha vida é uma
- Page 92 and 93: os outros, de tanto escutarem, vão
- Page 94 and 95: desgraça! — ter vivido, tudo viv
- Page 96 and 97: opalino, por um azul do céu que os
- Page 98 and 99: estremece, de tal maneira que me qu
- Page 100 and 101: Sensibilidade exasperada, com ímpe
- Page 102 and 103: A verdade é que a minha alma é se
- Page 104 and 105: vida ser só isto, por o sol brilha
- Page 106 and 107: é vã como os berros daquele bêba
- Page 108 and 109: árvores com grandes cabelos verdes
- Page 110 and 111: ir encontrar no infinito, pois que
- Page 114 and 115: fingir que tenho afeições e admir
- Page 116 and 117: instante me faças tropeçar e faze
- Page 118 and 119: 3ª PARTEOS SEUS PAPÉIS(Contos e t
- Page 120 and 121: Esta feição, que transparece na p
- Page 122 and 123: A LUZ NÃO SE EXTINGUEUma luz que s
- Page 124 and 125: cada vez mais. O padre senta-se num
- Page 126 and 127: O MISTÉRIO DA ÁRVOREEsgalhada e s
- Page 128 and 129: ficava então de olhos postos na á
- Page 130: Só a árvore esgalhada e seca o pr
- Page 133 and 134: Supunha-se no país que ele se form
- Page 135 and 136: Cada ano, em Abril, a procissão do
- Page 137 and 138: avança a fila dos noivos, branca e
- Page 139 and 140: SANTA EPONINASanta Eponina era tão
- Page 141 and 142: Como soube que nas concavidades dos
- Page 143 and 144: Oh como a noite é grande, imóvel,
- Page 145 and 146: matilhas esperá-la à beira dos ca