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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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Mas ponho-me a pensar: Que importa que eu o não sinta? A mesma irritaçãocom que leio estas páginas, não quer dizer que são verdadeiras?... Que dor éque ele esconde e se adivinha nos esgares da prosa raspada e de monólogo, ena ideia que sente escorregadia como um olhar de fruste? Tem gestosarrepelados na frase, com ímpetos de energia, e logo cai exausto.Ele não sabia escrever! Não, ele não sabia escrever, juro-o, mas punha febrenos papéis, de um feitio tão áspero como a sua alma, e mesmo, se é curioso, épor esta mesma maneira feita de repelões: nunca pude deixar, ao lê-lo, deescutar o ruído abafado de um coração a bater...Que amálgama de lama e de dor, ao mesmo tempo pícara e comovente, nãosai para mim desta espécie de autobiografia! Há pedaços do Diário, folhas efolhas ingénuas, em que uma frase sentida fica, sugestiva e acuta, e de todasestas linhas uma fisionomia deve transparecer, de desgraçado, de quem afinala gente não sabe se rir se chorar. Apenas corto algumas páginas. É que nuncase arrepiaram ao ter uma ideia, em que a gente foge de pensar e afoga apenasnascida?...É no Diário que, com uma singular ferocidade, se conta. Por ele é fácilreconstituir a vida desse homem, de uma sensibilidade exasperada, que sofreusobretudo pela imaginação. Nada literárias, mas vivas e humanas, as folhas dojornal dão-me a impressão de escutar um homem que fala só, que diz nummonólogo entrecortado e áspero o que sofre. Muitas vezes me pergunto até

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