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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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ecolho-as e calo-as dentro de mim mesmo, para as levar para a cova... Masesta noite de verão ainda no inverno inquieta-me e surpreende-me; esta noiteassim quieta, branca, impassível e calada, aflige-me. Paro. Dou mais doispassos e detenho-me. Espero uns momentos, e de repente desenrola-se diantede mim um drama que não previa...O vento morno acalma, a temperatura modifica-se, e tenho a sensaçãoimediata de que a noite cristaliza. Então a mais extraordinária dor a que jamaisassisti se passa diante dos meus olhos — a dor que se não ouve. Uma tragédiano silêncio. Uma tragédia sem gritos, sem rumor, sob o céu empoado deestrelas. Uma tragédia como não li em livro algum e de que nem Shakespearese lembrou. Diante de mim estavam as árvores carregadas de flor, as cerdeirasbravas, os abrunheiros e os salgueiros, toda a floresta imensa que me envolve,desentranhada em emoção, iludida por aquela primavera antecipada e fictícia.Flores por toda a parte, em todos os galhos; flores nos espinheiros; flores nassebes; flores nas macieiras vergadas de flor. E de repente um frio instantâneoe mortal, um frio que aperta e fere com arestas finas que entram na pele,colhe-as e destroça-as. As flores geladas caíram por terra.Doeu-me o coração. Por pouco não gritei. E o silêncio cada vez maior, aangústia cada vez mais pesada... Nem um frémito. Só luar a torrentes, omágico luar e aquela dor inocente, aquela dor monstruosa na imobilidadecongelada. A esta mesma hora no vasto mundo a dor calca aos pés e tritura,sem se deter com gritos, insaciável como o velho Deus da floresta para o qual

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