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E assim as casas, as paredes e as coisas, de ouvir tanto grito, de se sentirempalpadas por mãos febris, tomavam naquelas noites formas de delírio e tinhamvozes de tédio, de dor ou de ferocidade. Era um murmúrio indefinido, umambiente nervoso, que a sua sensibilidade recolhia e traduzia em sonho. Já noseu covil tinha tido a mesma sensação a primeira vez que ali dormira. Puserasea pensar, o coração premido e vontade de chorar como se uma parte do seuser tivesse sido aniquilada ou uma escarlate quimera fosse para sempreperdida: Quantos desgraçados, de tanto sonhar, puseram em brasa estasparedes negras? Quantas ambições aqui nascidas não foram despedaçadas e aíestão mortas pelos cantos?... Estes muros, que estremeceram com a dor ou seaqueceram com o sonho de outros, não serão para mim agressivos, por sermuito diferente o quimérico ideal que construo?...Vivia num ambiente falso e fora da realidade. De tanto sonhar não podiasenão sonhar. Às vezes exclamava de si para si, quando saía por acaso daatmosfera em que vivia submerso: — Valeu a pena? Valeu a pena? Estoucansado, exasperado, depois de uma velhice de fome e de misérias, comlongas horas de ódio e olhares hipnóticos sobre a felicidade dos outros. Ajuventude sobretudo fere-me. Eu nunca fui jovem, nem nunca fui amado, eque fingidos risos de indiferença, que me fazem doer as faces, tenho pelo quechamo banalidades — saúde, amores, ter vida! Com risos curvaria o meu bicosobre as desgraças dos infames que têm vinte anos. Eu nunca os tive: fuisempre banal como um velho cartaz de esquina. Há dias em que me deito na