25.08.2015 Views

A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

Untitled - Luso Livros

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

manta, que de tanto ter visto a miséria parecia arrepiado. A Velha passava odia a contar as rugas diante do espelho, na raiva de se sentir escarnecida.Meditava quanto tempo podia amar ainda, enganava-se e convencia-se de quenão estava velha nem feia. Punha flores no seio estancado e raso como umatábua e arrepiava os cabelos. À noite saía, rodava nos sítios escuros à esperade uma aventura de amor, ou, desvairada, ia pelas ruas da cidade, a arrastar umxaile púrpura.O Pita às vezes seguia-a e espiava-a, com o olho cheio de curiosidade,ruminando lá por dentro:— Encontro-as às vezes nas ruas, caiadas aos sessenta anos e sonhandoainda com a juventude. E são as que se atrevem, as que se expõem aos riscos,porque muitas como esta arrastam pelas casas de hóspedes o seu sonhoinapaziguado de amor... Fá-la tímida e má o ter de viver duas vidas, uma deimaginação, outra de realidade. Por isso tem o olhar desvairado para dentro,de quem segue um sonho e anda neste mundo por acaso. Esta cidade trágicafez-lhe um cenário perfeito, com a noite em que a escumalha vem à tona, asruas esganadas e o vício... atrever-se-á ela? Duvido... Viver é tudo!... Viver!...Se todos estes seres se juntavam e conversavam, as suas palavras ardiam ougelavam: causavam arrepios, como lâminas que de repente se desembainham eficam no ar suspensas: eram feitas de cadáveres ou de claridades... Umas vezespendiam para o sonho; outras para a terra.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!