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A MORTE DO PALHAÇO

Untitled - Luso Livros

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fingir que tenho afeições e admirar o que os outros admiram. Resignar-me.Perder o que em mim resta, como num lar que não tarda a apagar-se de todo.Que posso eu ainda ser? Porventura um aguerrido soldado, de coraçãoforte?... Mas já na dura Idade Média, com férreos guerreiros, escalei porsurpresa, nas noites turvas, de unhas cravadas na penedia e respiraçãooprimida, negros castelos no alto de montanhas a pique. Entrei em combatese de um me lembro, em que os rudes campeões, defendendo o território,comungaram ao alvorecer com terra da sua pátria, para assim significar quesaberiam morrer por ela. De outro sei que tinha um amigo e ligados nosatirámos ao ardor da refrega, morrendo juntos, de mãos unidas e sorriso naboca...Dirigir povos? Ser poeta? Ter a banal popularidade e forçar a admiraçãodos meus inimigos? Calcá-los aos pés, insultá-los, dizer-lhes com rancor: —Venci?... — Mas tudo isso o sonhei já e mais, visto que criei e fui Deus.Depois, a época é banal. Cada um tem de reduzir o seu sonho, de o tornarmedíocre e de se sujeitar, para vencer, a sorrir com a multidão ignara; demisturar o seu egoísmo a todos os egoísmos, e por último, confesso-o, aminha energia, consumi-a a tecer, os meus nervos estão gastos de arquitetarquimeras, o meu cérebro e o meu coração puídos de tantas coisas aquecerem...De forma que descer para a realidade é uma tortura, tão pequena e tãoaborrecida a encontro.

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