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UNIJUS<br />
106<br />
OS LIMITES DA REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL<br />
coletividade, entendemos que qualquer ato de<br />
ente regulador da atividade financeira que não<br />
tenha por meta alcançar estes fins toma o caráter<br />
de vicioso.<br />
Tais objetivos, como já observado, nem<br />
precisariam ser objeto de exposição no referido<br />
artigo, uma vez que se encontram entre os fundamentos<br />
da República Federativa do Brasil,<br />
que, por nenhum governante ou ideologia partidária<br />
podem ser desrespeitados.<br />
4.3. Inconstitucionalidade de atos<br />
e decisões do Banco Central<br />
Não só a estrutura do sistema financeiro<br />
deve ser observada, como prescrito no caput do<br />
artigo 192 da Carta vigente, mas também os princípios<br />
constitucionais que devem nortear as<br />
políticas pelo Banco Central planejadas e executadas.<br />
Nada mais lógico, pois se as políticas<br />
monetária e financeira relacionam-se com a política<br />
econômica e as conseqüentes ações do governo,<br />
devem primar por atender aos pressupostos<br />
da dignidade humana, representados pela<br />
igualdade de oportunidades no mundo do trabalho<br />
e na distribuição da riqueza.<br />
Assim sendo, a atividade normativa do<br />
Banco Central, citada por Nusdeo, constitui<br />
autonomia e esta é vinculada à lei e à Constituição<br />
– paradigma do Estado de Direito, o que<br />
exclui a ultrapassada noção de discricionariedade<br />
por conveniência e oportunidade. Se a conveniência<br />
visa o interesse público, nada que possa<br />
ferir direitos fundamentais será conveniente.<br />
Portanto, não pode a Administração, justificando-se<br />
no “interesse público”, cometer arbitrariedades<br />
contra a dignidade do cidadão com políticas<br />
econômicas que contrariem os verdadeiros<br />
interesses coletivos. No momento em que o Estado<br />
coloca-se como ente superior aos cidadãos<br />
ele passa a ser um fim em si mesmo e não um<br />
meio para se atingir os objetivos de bem-estar e<br />
dignidade coletivos.<br />
Por esta razão, o Direito Econômico contrapõe-se<br />
à antiquada visão administrativista do<br />
poder-dever da Administração, já que os prejuízos<br />
coletivos provenientes de ações irresponsáveis<br />
por parte do Estado podem ser irreversíveis.<br />
Sobre este risco, assim dispõe Washington<br />
Peluso:<br />
“Nos planejamentos econômicos e na administração<br />
da política econômica em geral, este<br />
é um ponto fundamental,”(a irreversibilidade)<br />
“pois os efeitos dos erros seguidos acabam por<br />
desviar dos seus reais objetivos o conjunto de<br />
medidas postas em prática. De modo geral, os<br />
prejuízos decorrentes ultrapassam de muito o<br />
próprio patrimônio pessoal da autoridade que as<br />
pratica, ou do governo que as despreza, impossibilitando<br />
o ressarcimento dos seus prejuízos.” 78<br />
A atividade reguladora do Banco Central<br />
encontra limites na Constituição, como visto<br />
tópicos atrás. A alegação de interesse público<br />
merece maior cautela para que as atitudes tomadas<br />
em nome deste não firam o mesmo, como<br />
bem dispõe o Professor Carvalho Neto:<br />
“(...) pode ser precisamente em nome do<br />
interesse público, objeto de proteção desses<br />
benefícios legais, que, na prática, venha a ser<br />
ferido, precisamente, o próprio interesse público,<br />
que, no paradigma do Estado Democrático<br />
de Direito, não mais pode ser confundido” (...)<br />
“com o interesse puramente estatal passível de<br />
privatização inconstitucional e ilegal que, é claro,<br />
no mais das vezes, busca se camuflar em<br />
interesse público, mediante o expediente de a<br />
Administração se valer da letra da lei contra a<br />
própria lei.” 79<br />
Como o Banco Central do Brasil e o Conselho<br />
Monetário Nacional trabalham diretamente<br />
com o governo (ressalte-se a participação dos<br />
Ministros da Fazenda, do Planejamento e Orçamento<br />
no Conselho Monetário), clara é sua independência<br />
relativa, funcionando como autonomia<br />
para expedir resoluções e circulares sobre a<br />
política financeira e monetária. De outro lado,<br />
se suas políticas integram-se à política econômica<br />
governamental, imperiosa a observância pelo<br />
Poder Público das limitações legais e constitucionais,<br />
sob pena de responsabilidade estatal<br />
por prejuízos advindos de condutas que violem<br />
os pressupostos do Estado de Direito Democrático.<br />
Neste caminho, é imperioso afirmar a inconstitucionalidade<br />
de quaisquer atos e resoluções<br />
emanadas por aquele ente regulador que<br />
____________________<br />
78 SOUZA, Washigton Peluso Albino de. Direito econômico e economia política. Belo Horizonte: Prisma, 1975. p. 140.<br />
79 CARVALHO NETO, Menelick. Da responsabilidade da administração pela situação falimentar de empresa privada economicamente viável por<br />
inadimplência ou retardo indevido da satisfação dos valores contratados como contraprestação por obras realizadas – ilícito do estado – igualdade<br />
de todos diante dos encargos públicos – princípio da continuidade da empresa – estado democrático de direito. Revista da Ordem dos Advogados<br />
do Brasil, Rio de Janeiro, ano 26, v. 63, p. 137. jul./dez. 1996.