Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
UNIJUS<br />
56<br />
A LEGITIMAÇÃO E OS LIMITES DO PODER PUNITIVO<br />
O Direito Fundamental de humanização e<br />
o Princípio Fundamental da dignidade da pessoa<br />
humana encontram seu mister muito mais<br />
além dos limites materiais ao ius puniendi, pois,<br />
relevam-se como fundamento e diretriz de todo<br />
o sistema penal.<br />
4<br />
A CRISE DO PODER PUNITIVO<br />
O funcionalismo deixa bem claro que a crise<br />
não se encontra unicamente no sistema jurídico,<br />
mas também no sistema social. Nessa perspectiva,<br />
o sistema jurídico não está estanque ou<br />
dissociado do social, por conseguinte da harmonia<br />
global das ciências que compõem o sistema<br />
social. 20<br />
A crise do Direito Penal contemporâneo<br />
também não é contemporânea. Ela vem se arrastando<br />
desde os primeiros Estados de Direito.<br />
Nesse arrasto de disfuncionalidades e conflitos,<br />
ressalta-se a dicotomia entre a liberdade e a segurança.<br />
21<br />
Os reflexos trazidos pela crise não são de<br />
todo negativos, pois através dela houve uma<br />
contribuição para o avanço do direito penal humanitário<br />
e garantístico. 22<br />
A crise do ius puniendi é marcada, de um<br />
modo geral, pela necessidade de proceder a uma<br />
legitimação do Direito Penal que resulte<br />
imanente à sociedade e não transcendente à mesma.<br />
Uma vez produzido este primeiro fator de<br />
ruptura, é natural que também se sinta a necessidade<br />
de orientar a ciência do Direito Penal a<br />
essa missão social, trazendo-o próximo à sociedade<br />
como um perfeito instrumento legitimador<br />
de seus valores éticos, morais, políticos e culturais.<br />
Em face da crise, surgem posturas políticocriminais<br />
e criminológicas que se insurgem à<br />
deslegitimação do discurso jurídico-criminal. São<br />
reconhecidas como: abolicionismo; minimalismo<br />
ou de ressocialização; neo-realismo de esquerda;<br />
neoclassicismo e garantismo.<br />
O abolicionismo tem grande mérito em propor<br />
o estabelecimento de um sistema de Direito<br />
Penal mais humano. Contudo, as soluções propostas<br />
por essa postura não se compatibilizam<br />
com a realidade de qualquer núcleo social consi-<br />
derando o grau de complexidade e desenvolvimento<br />
alcançado das sociedades modernas.<br />
Se deixarmos nas mãos da sociedade a solução<br />
dos conflitos criminais, talvez o Direito Penal<br />
se operaria num campo só das etiquetas,<br />
num campo de titularidades e vítimas, mas não<br />
do conteúdo e extensão do ius puniendi.<br />
Critica o abolicionismo a criminalidade baixa,<br />
extratificadora da sociedade, mas isso é apenas<br />
a ponta de um iceberg. O grande peso da<br />
delinqüência se esconde nas chamadas cifras<br />
douradas da criminalidade, como os crimes de<br />
colarinho branco, de tráfico de entorpecentes,<br />
de corrupção e, sobretudo, na delinqüência originada<br />
nas relações do mundo globalizado.<br />
A postura minimalista defende a idéia de<br />
um Direito Penal de conteúdo mínimo, destinado<br />
à preservação dos Direitos Fundamentais.<br />
Isso significa um sistema que evite as reações<br />
indesejáveis por parte do Estado, limitando a<br />
violência institucional representada pela pena e,<br />
sobretudo, pelo sistema penitenciário.<br />
É impossível educar para a liberdade em<br />
condições de não liberdade. O sistema ressocializador,<br />
fora de seu absolutismo, é grandioso e<br />
humanista. Mas, seu fracasso se encontra na<br />
ausência de suportes para o que teoricamente se<br />
previu para a reinserção do condenado à sociedade<br />
em face do aperfeiçoamento do processo<br />
de individualização.<br />
O conhecimento insuficiente do fenômeno<br />
criminal e de suas causas – principalmente de<br />
métodos realistas de tratamento – constituem<br />
um obstáculo a mais para a vigência do ideal<br />
ressocializador.<br />
A simples ressocialização não pode ser<br />
erigida como ponto fundamental de legitimação<br />
da intervenção penal. Tanto quanto necessário a<br />
ressocialização é a imposição da pena privativa<br />
de liberdade por motivos de prevenção geral<br />
positiva. Dessa forma, é tarefa inarredável a conciliação<br />
das prevenções geral e especial.<br />
Por outro lado se apresenta exigência<br />
inafastável o restabelecimento da lei e da ordem<br />
para todas as “pessoas decentes”, in<strong>capa</strong>zes de<br />
“comportamentos desviados”. O crime é compreendido<br />
como o “lado patológico” da sociedade,<br />
a criminalidade como uma enfermidade “infecciosa”<br />
e o criminoso como um ser “daninho”.<br />
____________________<br />
20 A Perspectiva funcional de Jakobs tendo suas bases assentadas na teoria dos sistemas sociais de Luhmann, sendo o sistema de direito apenas um<br />
sub-sistema do sistema social global.<br />
21 SILVA SANCHES, op. cit., p. 13, nota 12.<br />
22 Ibid., p. 14.