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nos parecer contraditória, no entanto, a oposição<br />
entre os dois termos marcantes, mutabilidade<br />
e imutabilidade atribuídas ao signo lingüístico e<br />
à ação do tempo na língua, não constitui um<br />
paradoxo. Esta oposição marca uma verdade que<br />
não se pode negar: a língua se transforma sem<br />
que os indivíduos possam transformá-la.<br />
O princípio da alteração se baseia no princípio<br />
da continuidade. O signo só pode ser alterado<br />
porque continua. Essa alteração leva sempre a<br />
um deslocamento da relação entre o significado e<br />
o significante e é a arbitrariedade do signo que faz<br />
com que a língua seja in<strong>capa</strong>z de se defender dos<br />
fatores que promovem esse deslocamento 25 .<br />
É importante considerar que se a língua não<br />
está limitada por nada na escolha de seus meios e<br />
nada nos impede de associar uma idéia qualquer<br />
com uma seqüência sonora qualquer, temos, então,<br />
que o signo lingüístico não é puramente a<br />
tradução de um pensamento já constituído, mas<br />
a sua própria condição de realização.<br />
2.2 Todo sentido é ideológico<br />
Com uma visão diferente de Saussure,<br />
Bakhtin 26 concebeu o signo como uma entidade<br />
necessariamente ideológica. Para este autor, há<br />
uma transferência em nossas mentes dos elementos<br />
significativos isoláveis de uma enunciação.<br />
A cada enunciação de outrem que estamos<br />
no processo de compreender, fazemos corresponder<br />
uma série de palavras nossas. A significação,<br />
segundo seu ponto de vista, pertence a<br />
uma palavra enquanto traço de união entre os<br />
interlocutores, ou seja, ela só se realiza no processo<br />
da compreensão em que há ação e interação.<br />
Sob este prisma, o signo, ideológico, se realiza,<br />
então, na dialogia. Há que se compreender que<br />
cada palavra emitida “é determinada tanto pelo<br />
fato de que precede de alguém, como pelo fato<br />
de que se dirige para alguém” 27 .<br />
A significação é efeito da interação do locutor<br />
e do receptor, produzido através do material<br />
de um determinado complexo sonoro, conforme<br />
ressalta Bakhtin 28 .<br />
“É como uma faísca elétrica que só se produz<br />
quando há contato de dois pólos opostos ”<br />
AS PALAVRAS E A JUSTIÇA<br />
47<br />
UNIJUS<br />
Sem signo não existe ideologia. Tudo que é<br />
ideológico possui um significado (um valor<br />
semiótico) e remete a algo situado fora de si mesmo.<br />
A ideologia só existe pelo signo, que por sua<br />
vez pode distorcer a realidade, ser-lhe fiel ou<br />
apreendê-la de um ponto de vista específico.<br />
A palavra é o signo ideológico por excelência<br />
e toda a sua realidade é absorvida por sua<br />
função de signo. No entanto, existem outras<br />
manifestações do pensamento ideológico que se<br />
integram ao discurso e não têm existências próprias<br />
se totalmente isoladas dele. Todavia, nenhum<br />
signo ideológico específico é inteiramente<br />
substituível por palavras 29 .<br />
O signo cruz, por exemplo, reflete e refrata<br />
outra realidade que não é a cruz, como valor<br />
intrínseco a si mesmo, mas o cristianismo e toda<br />
a carga ideológica nele contida.<br />
O signo para Bakhtin é revestido de tema e<br />
significação.Tema é o sentido da enunciação completa,<br />
é individual e não reiterável: cada enunciação<br />
tem um único sentido. O tema de uma<br />
enunciação é determinado tanto pelas formas<br />
lingüísticas que entram na composição (as palavras,<br />
os sons, a entoação etc.) como pelos elementos<br />
não-verbais. Só possui um tema, a<br />
enunciação tomada em toda a sua amplitude concreta,<br />
como fenômeno histórico.<br />
Significação representa para Bakhtin 30 os<br />
elementos da enunciação que são reiteráveis e<br />
idênticos, cada vez que são repetidos. É um aparato<br />
técnico para a realização de um tema. É um<br />
potencial, uma possibilidade de significar no interior<br />
de um tema concreto. A multiplicidade<br />
das significações é o índice que faz de uma palavra<br />
uma palavra.<br />
Para entendermos o signo ideológico de<br />
Bakhtin é necessário estabelecer que a relação<br />
entre o significado (pensamento ou referência) e<br />
o símbolo (palavra) não é unívoca; o significado<br />
é um campo semântico que se constitui de uma<br />
base determinada (significação) e de um espaço<br />
de indeterminação. Para Bakhtin investigar uma<br />
palavra com base em sua significação somente é<br />
o mesmo que considerá-la no sistema da língua,<br />
ou seja, investigar uma palavra dicionarizada.<br />
O contexto é outro elemento que entra na<br />
constituição do signo ideológico. Embora Ben-<br />
____________________<br />
25 RIBEIRO, op. cit.<br />
26 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 2. ed. São Paulo: Hucitex, 1995. Tradução do original russo de 1929. p. 31.<br />
27 Idem, op. cit., p. 113<br />
28 Idem, p. 132<br />
29 RIBEIRO, op. cit.<br />
30 BAKHTIN, op. cit., p. 36.