SEGUNDA PARTE Minas Indígena - Instituto ANTROPOS
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<strong>Minas</strong> <strong>Indígena</strong><br />
adora um deus chamado Tupã, a lua chamada de Jacy, ao sol chamado de Coaracy e tem<br />
um filho chamado curumim. Este é um “índio de sangue puro”, um “índio de verdade”.<br />
Se o indígena tem pele quase negra e cabelos crespos, ou cor clara, olhos claros e<br />
cabelos acastanhados, fala português, usa as mesmas roupas da sociedade externa, mora<br />
em uma casa de alvenaria, com energia elétrica e água encanada, ouve rádio e possui um<br />
aparelho de televisão, o máximo que lhe é atribuído é o título de “caboclo”, “bugre”, “índio<br />
misturado”, ou numa linguagem mais refinada, “índio aculturado”.<br />
Oliveira (1999.34), sugere quatro ênfases etnológicas que são espúrias e por demais<br />
danosas ao estudo dos grupos indígenas atuais. A Etnologia das perdas culturais coloca<br />
toda a sua ênfase no que o grupo indígena perdeu no decorrer do seu contato com a<br />
civilização externa, como a língua, aspectos da sua religiosidade, moradia, indumentária e<br />
organização social. Vale lembrar aqui, que em qualquer momento da sua história um povo<br />
sempre possui cem por cento de cultura, ainda que esta não seja mais nem um pouco<br />
semelhante à cultura de cem anos atrás. A cultura é dinâmica e à medida que novos<br />
conceitos e valores lhes são acrescentados ela vai sofrendo transformações e adaptações,<br />
mas nunca se torna uma “meia-cultura”. A etnologia da idealização do passado enfatiza<br />
apenas as vantagens do antigo momento cultural, dos antigos costumes tradicionais, como<br />
os únicos ideais para determinado povo. Há todo um saudosismo cultural que leva para<br />
uma análise utópica do povo, num momento histórico que não mais existe. A etnologia da<br />
pureza original talvez seja a principal responsável pelo mito do “índio puro”, pois elucida<br />
a figura de um indígena isolado, vivendo num mundo culturalmente introspectivo, sem<br />
interação com outras culturas e sem qualquer índice de miscigenação étnica. Este índio era<br />
puro porque não tinha contado com a cultura não-indígena, pois esta é a causadora dos<br />
desequilíbrios morais e sociais. Na verdade este índio nunca existiu, pois mesmo antes da<br />
chegada dos colonizadores europeus, no nosso continente havia a prática de casamentos<br />
interétnicos, possivelmente em alta escala, e por isto, sempre houve miscigenação. O<br />
argumento da pureza moral também é enganoso, pois desde os primórdios do ser humano,<br />
os pecados sociais e morais estiveram presentes (Souza, 2001). Por fim, a etnologia da<br />
naturalização da situação colonial, cuja ênfase é voltada para a realidade indígena da<br />
época do contato com os colonizadores, como sendo a originária e ideal para cada grupo, e<br />
utopicamente possível de ser resgatada.<br />
Uma vez que abordamos os grupos indígenas de <strong>Minas</strong> Gerais, a consciência de que<br />
este “índio puro” nunca existiu é importante, pois os grupos mineiros são povos que<br />
passaram por um forçado processo de miscigenação étnica, em contato constante com a<br />
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