Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
O gozo do Outro, ou melhor, do Outro do Outro, se não existe, não poder ser figurado.<br />
Mesmo o gozo do Outro, ao ser representado entre real e imaginário, aponta para o que<br />
se situaria fora da conjuntura simbólica, poderíamos assim entender. Assim, a<br />
irrepresentatividade do gozo do Outro do Outro ganha uma localização problemática. E<br />
é o próprio Lacan quem nos apresenta esse impasse, felizmente sem nos deixar sem<br />
solução.<br />
“Se nós pensamos que não há Outro do Outro, ao menos gozo deste Outro do Outro, é bem<br />
preciso que façamos em qualquer parte a sutura entre este simbólico que se estende ali só e<br />
este imaginário que está aqui. É uma emenda entre imaginário e saber inconsciente. Tudo<br />
isso para obter um sentido, o que é o objeto da resposta do analista ao exposto, pelo<br />
analisante, ao longo de seu sintoma. Quando nós fazemos esta emenda, nós ali fazemos, na<br />
mesma tacada, uma outra, precisamente entre o que é simbólico e o real. Quer dizer que,<br />
por algum lado, nós ensinamos ao analisante a emendar, a fazer emenda entre seu sinthoma<br />
e o real parasita do gozo. O que é característico de nossa operação torna esse gozo possível.<br />
É a mesma coisa que isto que eu escrevera j’ouïs sens 46 . É a mesma coisa que ouvir um<br />
sentido” (LACAN, 1975-76/2005, p. 73).<br />
A indicação é clara: apostar no trabalho entre real e simbólico, pois será por essa via<br />
que, por efeito de retorno, imaginário e inconsciente poderão encontrar uma forma de se<br />
enlaçarem, ficando os três registros, então, enodados pelo quarto elemento<br />
sinthomático, criando a condição de um Outro gozo possível. A análise seria a via pela<br />
qual, através de suturas e emendas, o sujeito encontraria esse j’ouïs sens (sentido-gozo),<br />
que aqui implica “saber qual é o nó e de bem o atar graças a um artifício” (LACAN,<br />
1975-76/2005, p. 73).<br />
Se observarmos bem o nó borromeu, dois registros estão sempre superpostos um em<br />
relação ao outro, ou seja, soltos. Somente a passagem de um terceiro por cima e por<br />
baixo sucessivamente desses dois, fazendo neles furo, produz o efeito borromeano que<br />
conhecemos como: desatando-se qualquer um deles, os outros também cairão livres. O<br />
nó borromeu, para Lacan, é a melhor topologia para tratar do furo. Esta, de saída, indica<br />
como aquilo que não está atado dois a dois pode fazer nó. Este só se suporta no seu furo<br />
fundamental, constituído pelo simbólico e equivalente em Lacan à interdição do incesto<br />
enquanto elemento estrutural.<br />
“É no furo do simbólico que constitui o interdito. É preciso o simbólico para que apareça,<br />
individualizado no nó, essa coisa que eu não chamo tanto de complexo de Édipo, não é tão<br />
complexo assim, chamo isso de o Nome do Pai. O que só quer dizer o pai enquanto Nome,<br />
não quer dizer nada de início, não só o pai como nome mas o pai como nomeador”<br />
(LACAN, 1974-75, aula de 15/04/1975).<br />
Para Lacan, o sentido vai tão longe no equívoco quanto se possa desejar para o discurso<br />
46 Lacan aqui brinca com a homofonia entre “eu ouço sentido” e “gozo”, possível em francês.<br />
108