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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

escoar é o único traço que aparece a operar” (LACAN, 1971/1986, p. 26). Toda a<br />

elaboração de mapeamentos se faz como código sobre esses sulcos. A letra seria, então,<br />

um remate daquilo que, no seminário sobre “A identificação” (1961-62), Lacan<br />

distinguiu do traço primeiro e do que o apaga.<br />

“Eu o disse a propósito do traço unário: é pelo apagamento do traço que se designa o<br />

sujeito. Ele é marcado, pois, em dois tempos; eis o que distingue aquilo que é rasura, litura,<br />

lituraterra. Rasura de nenhum traço que seja anterior, eis o que faz terra do litoral. Litura<br />

pura é o literal. Produzir essa rasura é reproduzir esta metade de que subsiste o sujeito. [...]<br />

Entre centro e ausência, entre saber e gozo, há rasura que vira literal” (LACAN, 1971/1986,<br />

p. 26-27).<br />

Além da dimensão do sulco, Lacan também destaca a dimensão da rasura - rasura,<br />

porém, de nenhum traço que lhe seja anterior. A idéia de rasura nos reporta ao ato de<br />

reescrever, apagar para melhor escrever. Quando, entretanto, Lacan introduz a idéia de<br />

uma rasura sobre o que não está lá, estira ao limite a noção de linguagem. É da<br />

linguagem que o significante apanha “seja o que for” na rede de significantes e disso faz<br />

escrita no exato momento em que esse elemento é promovido à função de referente<br />

essencial. Donde podemos entender por que a letra não é primária, mas antes<br />

conseqüência do advento significante, ao contrário do que se poderia supor. A letra se<br />

destaca no exato momento em que cai como literalidade que vivifica o falasser.<br />

“É isso que modifica o estatuto dos sujeitos. É por aí que ele se apóia num céu<br />

constelado, e não apenas no traço unário, para sua identificação fundamental” (LACAN,<br />

1971/1986, p. 31). O sulco aí produzido é receptáculo sempre pronto a acolher gozo. É<br />

rota lavrada, por onde, a partir de então, o gozo escorre e pode se alojar. Enquanto fora<br />

da cadeia significante, enquanto não reenvia à série significante e não produz<br />

significação, a letra se faz referente do sistema significante de uma maneira singular<br />

para cada ser vivente, escrevendo as vias de suas possibilidades de gozo. Na metáfora<br />

naturalista de Lacan, a chuva da linguagem faz escrita de gozo, o que permite ler os<br />

riachos está ligado a algo que vai além do efeito de chuva. O real, como dejeto, é aquilo<br />

que é expulso do campo do simbólico, criando uma marca, um rastro, um sulco.<br />

Eis o tripé que articula a noção de letra: litoral, sulco e rasura (MANDIL, 2003, p. 49).<br />

Não repetível, não generalizável, a letra é um conceito que permite a Lacan sofisticar a<br />

noção de real, sua importância para a clínica e o que ela tem de inaugural para cada<br />

sujeito e para cada analista que a essa experiência se lançam. Fortalece a noção de que<br />

há uma língua particular para cada sujeito que fala, lalíngua afetada por uma<br />

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