Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
O teatro, por seu turno, auxilia na sustentação desse corpo não escrito. “O teatro é onde<br />
a gente se entrega com alegria, cultivando no corpo sua emoção. [...] Primeiro, a<br />
pessoa tem idéia que é a droga, o coração, espantosa explosão de peste, mas o teatro é<br />
que organiza. O cérebro é o pulmão é que são atingidos pela droga, né? O coração fica<br />
intenso, barulhento, e a pessoa nem se percebe, o corpo já ficou cheio de bulbões”. Os<br />
bulbões na terra equivalem a vulcões no corpo humano. Segundo ele, sua experiência<br />
após o desencadeamento foi a de um inferno sem volta, um mergulho na dor, à medida<br />
que foi se aprofundando, foi aumentando. Depois passou. Depois da intoxicação, do<br />
encantamento, não tinha mais vida orgânica, só psíquica.<br />
Ele relata uma crise muito intensa com seu ápice em 2003, período da ida ao CERSAM,<br />
na qual houve uma dor muito forte. Depois dela e depois do encontro com B., a<br />
funcionária, tudo ficou melhor. Ele realiza o que Artaud escreve no sentido de que é<br />
preciso viver a dor mais intensa para que se possa encontrar uma saída. Artaud realizou<br />
esse sofrimento junto aos índios Tutuguri, tomando peiote entre eles.<br />
“Um teatro verdadeiro ele transtorna o repouso dos sentidos, libera o inconsciente<br />
reprimido, sabe? Leva uma espécie de revolta virtual, proporciona a quem vem assistir e à<br />
comunidade que permite, proporciona alguma coisa, assim, uma atitude heróica e difícil.<br />
Sabe como é que é? E é preciso acabar com muita facilidade, né? A gente tem que fazer as<br />
coisas difíceis, coisa fácil demais não...” (Relato de A. em entrevista).<br />
O teatro dá corpo ao que aparece no real, sem representação, sem inscrição. A. parece<br />
substantivar o gozo também no ato da interpretação teatral, assim como Artaud o fazia<br />
no ato de criação.<br />
Mas foi o encontro com os olhos azuis da funcionária B. do serviço público no qual<br />
começou a se tratar em 2003, que operou nesse sofrimento do corpo um corte. A<br />
localização do objeto olhar nos olhos da funcionária favoreceu uma condensação do<br />
gozo fora do corpo, arrefecendo as dores que o tomavam. Ele deixa de fumar e usar<br />
drogas e pacifica a relação com o corpo. Uma localização do objeto fora do corpo<br />
parece ser o que opera nesta situação como apaziguamento. Parece-nos que, nesse<br />
encontro, A. conseguiu operar o que as tentativas com o teatro, a escrita e a pintura<br />
ajudaram a construir.<br />
F. A pintura<br />
A pintura surge como estratégia em torno de 1990. “Uma tela nunca fatigou ninguém,<br />
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