Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
real, mas qualquer coisa com a qual, expressamente, não temos relação. Trata-se do ∃<br />
(%), o que quer dizer que isso não responde. É bem por isso que o eu (moi) pode se pôr<br />
a falar e mesmo a delirar. Daí, entre loucura e debilidade mental não termos escolha. É,<br />
pois, para tratar dessa materialidade intangível que os nós se colocam e nos colocam a<br />
trabalho na psicanálise.<br />
“Nós não cremos no objeto, mas nós constatamos o desejo, e desta constatação do desejo<br />
nós induzimos a causa como objetivada. O desejo de conhecer encontra obstáculos. É por<br />
encarnar este obstáculo que eu inventei o nó. E quanto ao nó é preciso ter desembaraço [se<br />
rompre]. Eu quero dizer que é o nó sozinho que é o suporte concebível de uma relação<br />
entre o que quer que seja e o que quer que seja. Se, de um lado, ele é abstrato, o nó deve,<br />
entretanto, ser pensado e concebido como concreto” (LACAN, 1975-76/2005, p. 36-37).<br />
A letra dá suporte ao que, dessa intangibilidade, pode se escrever entre real e simbólico<br />
para um sujeito. Ela vivifica o gozo na escrita que singulariza a não-relação do sujeito.<br />
Da língua mãe extrai o que orientará o texto do sujeito na repetição do contorno ao que<br />
não cessa de não se escrever, ou seja, do impossível. Daí o sintoma, como resultado<br />
necessário, insiste em se escrever sobre essa marca, atualizando-a 81 .<br />
Como se vê, a superfície material que, no início de nossa pesquisa, dizia respeito a uma<br />
materialidade do mundo empírico se modifica. Quando nos perguntávamos se era<br />
possível a invenção de uma solução pela criação artística ou artesanal, prescindindo da<br />
escrita, a materialidade à qual nos reportávamos era a argila ou a tela de um quadro, por<br />
exemplo. Essa materialidade que, em Lacan, se opunha à substância, dizia respeito na<br />
década de 50 ao significante, em oposição ao gozo. Na década de 70, entretanto, é a<br />
letra que funciona como suporte ao significante, deslocando a materialidade da imagem<br />
acústica para o campo litoral entre real e simbólico. E, finalmente, o que há de concreto,<br />
o elemento articulador, deixa de ser o significante para aparecer sob a forma do nó,<br />
como efeito real de enlaçamento. É ele agora o suporte concebível de uma relação entre<br />
o que quer que seja e o que quer que seja. Letra e nó tornam-se elementos centrais em<br />
nossa investigação dada a via de verificação da estabilização psicótica que permitem<br />
conceber.<br />
Assim, a fim de perseguir a arqueologia dessa proposta lacaniana, nos deteremos agora<br />
no uso clínico que Lacan faz da teoria dos nós quanto à estabilização psicótica. Já<br />
percorremos o modo como Lacan se apropriou desse território lógico e científico da<br />
matemática para fazer operar uma transmissão em relação ao discurso analítico. Assim,<br />
81 Lacan aqui recorre à lógica aristotélica (possível, impossível, contingente e necessário) para trabalhar o<br />
sintoma e a contingência de sua solução diante do impossível de se escrever.<br />
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