Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
de transformação subjetiva pela via da escrita.<br />
Esta é a novidade. Lacan não fala de complemento ao que não operou, mas de<br />
suplemento ao que, para todos, falha. Esse suplemento pode fazer suplência pelo falso<br />
furo que, enlaçando esses dois círculos (simbólico e sinthoma, aqui entendido como<br />
real), não é furo nem de um, nem de outro. Somente se atravessado por uma reta infinita<br />
ou terceiro círculo – campo do Imaginário, do qual o Falo é o organizador –, ele está<br />
verificado, ele é real. Entendendo-se que o real não é exatamente um terceiro círculo,<br />
mas o resultado de uma maneira específica de enlaçá-los, de tal forma que partindo um,<br />
todos se desentrelaçam.<br />
O real é sempre um pedaço, um caroço em torno do qual o pensamento borda, mas ele,<br />
como tal, não se liga a nada, é incorpóreo. A consistência, Lacan a localiza no corpo, a<br />
partir da incidência do objeto a e do traçado que, sobre o gozo, ele realiza. E o que faz<br />
laço com a consistência do corpo é o inconsciente. Nós não podemos atingir senão<br />
pedaços do real. Se ele, porém, é atingido, um novo simbólico se forma, uma nova e<br />
inédita forma de relacionar-se com o real se realiza, como através do sinthoma da<br />
escrita em Joyce.<br />
Ora, é justamente daí que se extrai a riqueza dessa transmissão lacaniana: quanto ao<br />
sinthoma não há nada a fazer para analisá-lo, decodificá-lo. Ele cifra o gozo, e não, ao<br />
contrário, o nomeia e desvenda. Ele condensa pelo des-sentido. Faz ponto de amarração<br />
onde um erro do nó não sustenta a articulação borromeana dos três registros – como faz<br />
o Nome-do-Pai enquanto o sinthoma neurótico por excelência. Lacan chega mesmo a<br />
falar na função da arte ou do artesanato, como vimos, abrindo o precedente que nos<br />
instigou a esta pesquisa:<br />
“Todo o problema está aqui - como uma arte pode visar de maneira divinatória a<br />
substancializar o sinthoma na sua consistência, mas também na sua ex-sistência e em seu<br />
furo? Esse quarto termo [...] essencial ao nó borromeano, como alguém pôde visar com sua<br />
arte produzi-lo como tal, a ponto de aproximá-lo de tão perto quanto possível?” (LACAN,<br />
1975-76/2005, p. 38).<br />
Sabemos que foi, sobretudo, com o estudo de Joyce que Lacan formalizou a idéia de<br />
uma nova forma de amarração dos três registros a partir da obra que, neste caso, ganha a<br />
forma de escrita literária. O que podemos extrair dessa análise para pensarmos o<br />
sinthoma e sua função na estabilização psicótica?<br />
É sobre a lógica fundada no nó borromeano que Lacan fala de sinthoma em Joyce que<br />
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