Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
maneira a clínica e a psicose. Caminhemos para essa proposição.<br />
3.2.3 Sobre os nós, o real e a psicose no Lacan da década de 70<br />
A. A materialidade e a topologia<br />
O recurso ao nó é claramente adotado em Lacan como uma maneira de pensar a clínica<br />
psicanalítica, bem como de decifrar aquilo de que se trata no real. Ele sugere diferentes<br />
versões de nós para articular a idéia de inconsciente, de gozo, de sintoma, de psicose. Se<br />
os perseguirmos – esses nós e as proposições lacanianas que eles sustentam e mostram –<br />
, veremos que Lacan ensaia no final de seu ensino uma estética da clínica psicanalítica a<br />
partir do real como vetor de orientação.<br />
O que isso quer dizer? Para concebermos a dimensão do real da clínica em jogo nesse<br />
período, vale a pena seguirmos o rastro, uma pista que Lacan nos oferece na lição de 11<br />
de Janeiro de 1977. Nessa aula do Seminário XXIV, L’insu que sait de l’une bévue<br />
s’aile à mourre, ele brinca com o sentido e a homofonia – já desde o título do seminário<br />
–, nos mostrando, talvez, que o sentido desliza pela cadeia significante, mas também<br />
cifra gozo com a palavra, já que nem o fonema é lógico ou tem razões estruturais. Resta<br />
sempre algo intocável, cifrado. Reduzido o gozo, sua parte viva continua pulsante, mas<br />
o trajeto de satisfação se altera. Algo desse indizível, desse intocável ganha uma<br />
alteração real.<br />
Lacan vai, então, retomar a idéia de que o saber para a psicanálise é sempre o saber<br />
inconsciente. Mas, aqui, o inconsciente já comparece como saber com o qual o sujeito,<br />
em sua debilidade mental, não consegue operar. Para Lacan, é muito difícil extrair o<br />
sentido que o inconsciente possuía em Freud. Ainda que “Freud não tivesse, então,<br />
senão uma pequena idéia do que era o inconsciente” (LACAN, 1976-77, lição de<br />
11/01/1977), Lacan pensa poder dizer que se tratava, nesse saber, daquilo que<br />
poderíamos denominar efeitos significantes. A partir desses efeitos, esse saber seria<br />
imposto ao homem, que não sabe muito bem o que fazer disso (“de cette affaire de<br />
savoir”). Ele não fica à vontade com ele. Ele não sabe fazer com (“faire avec”) o saber.<br />
É essa sua debilidade mental. Ele não sabe “y faire”. Esse “faire avec” é o mesmo que<br />
esse “y faire”, guardada a nuance fundamental do “y” na língua francesa 79 .<br />
79 “Savoir faire” é diferente de « savoir y faire ». A introdução do “y” “quer dizer se desembaraçar, mas<br />
este ‘y faire’ indica que não pegamos verdadeiramente a coisa, em suma em conceito” (LACAN, 1976-<br />
77, lição 11/01/1977). Há algo que escapa. E é para tentar dar conta disso que escapa que o discurso vem<br />
em socorro. Tudo o que se diz a partir do inconsciente participa, portanto, do equívoco.<br />
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