Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
neuropsicoses de defesa” (1894/1976). Nele, essa hipótese central calcada na defesa<br />
ganha dois contornos. De um lado, diante de uma representação incompatível com o<br />
aparelho psíquico, este responde com uma defesa que opera retirando dessa<br />
representação seu afeto, tornando-a fraca e, com isso, destituindo-a da catexia que a<br />
tornava ameaçadora. Essa representação descatexizada é recalcada no inconsciente,<br />
seguindo seu afeto correspondente caminhos diversos, conforme a defesa ocorra na<br />
histeria, na neurose obsessiva ou na fobia. De outro lado, a representação e seu afeto<br />
podem ser rejeitados conjuntamente, não restando um traço inscrito da experiência<br />
hipercatexizada. Este é o caso das psicoses. Assim, apesar de ainda manter atreladas<br />
neurose e psicose como se ambas resultassem do “recalque” 8 , Freud já introduz uma<br />
diferença fundamental na operação estrutural da qual resulta a psicose.<br />
Observe:<br />
“Em ambos os casos até aqui considerados [neurose histérica e neurose obsessiva], a defesa<br />
contra a representação incompatível foi efetuada separando-a de seu afeto; a representação<br />
em si permaneceu na consciência, ainda que enfraquecida e isolada. Há, entretanto, uma<br />
espécie de defesa muito mais poderosa e bem-sucedida. Nela, o eu rejeita a representação<br />
incompatível juntamente com seu afeto e se comporta como se a representação jamais lhe<br />
tivesse ocorrido. Mas a partir do momento em que isso é conseguido, o sujeito fica numa<br />
psicose [...]” (FREUD, 1894/1976, p. 63-64 – grifos nossos).<br />
Aqui Freud já anuncia seu trabalho sobre a diferença entre neurose e psicose da década<br />
de 20, localizando não na perda da realidade, mas no caminho para restaurá-la a<br />
diferença entre as duas estruturas clínicas. A rejeição atinge a própria situação real, que<br />
nunca precisou se tornar consciente. Trata-se de uma defesa tão eficaz, que nega a<br />
realidade mesma da percepção ligada à representação incompatível. Há uma negação da<br />
experiência traumática vinculada à castração, uma ausência de sua inscrição. Melhor<br />
dizendo, a questão da castração sequer é colocada. Há a ausência de seu<br />
8 É importante considerar que, nesses trabalhos sobre as neuropsicoses de defesa (1894/1976 e<br />
1896c/1976), Freud trata indistintamente os termos “defesa” e “recalque”, conferindo-lhes o sentido<br />
genérico de defesa estrutural. Ao longo de sua obra, entretanto, especificamente em “Inibições, sintomas<br />
e ansiedade” (1926[1925]/1976), ele propõe que o termo “defesa” seja utilizado nessa acepção genérica,<br />
designando todas as técnicas empregadas pelo Ego em conflitos que possam levar a uma estrutura<br />
específica: neurose, psicose e perversão. E quanto ao termo recalque (traduzido erroneamente em<br />
português por repressão), propõe que seu uso seja restrito ao mecanismo particular de separação entre<br />
idéia e afeto, característico da estrutura neurótica. Cumpre também ressaltar que usaremos a partir daqui,<br />
ao invés do termo “repressão”, que consta na tradução brasileira da obra, o de “recalque”. Isto porque<br />
repressão se apresenta geralmente associada aos mecanismos defensivos e conscientes do ego. Já o<br />
recalque é a terminologia utilizada para expor a operação inconsciente, responsável por desalojar<br />
representações incompatíveis com o aparelho psíquico, destituindo-as de sua catexia, fundando o aparelho<br />
psíquico dividido em Pcs-Cs e Ics e constituindo-se na defesa neurótica a qual fizemos referência. Para a<br />
operação estrutural que funda a psicose, utilizaremos sempre o termo rejeição, acompanhando a<br />
referência freudiana.<br />
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