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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

enredos dos dez livros escritos na adolescência. Não nos parece que ele faça essa<br />

articulação somente no nível da linguagem, do simbólico, mas principalmente no nível<br />

de lalíngua. Há uma operação cujo resultado não parece ser alcançado pelo significante,<br />

senão a posteriori.<br />

G. A escrita e a letra que (não) se escreve<br />

A escrita também caminha acompanhando o percurso de seus Outros.<br />

“Por exemplo, eu sou um Van Gogh. Mas um Van Gogh da escrita não é tão importante<br />

quanto o da pintura. A minha escrita é uma escrita que transvalora a natureza, as<br />

montanhas, as pedras, as fúrias, as almas das pessoas. Tudo, então, de repente, foi uma<br />

mãozinha ali do Van Gogh, ali na minha escrita. Aí eu me considero um Van Gogh da<br />

escrita. Pode ser a escrita mais importante que exista a minha. Nunca foi publicada, quer<br />

dizer, o mesmo processo de Van Gogh, sabe como é que é?”. (Relato de A. em entrevista).<br />

Com a escrita, A. diz pretender fazer a pessoa despertar, sua escrita “traz mais proveito<br />

a quem lê do que a quem escreveu. Então, quer dizer, alcançou o objetivo, né?”. Ele<br />

começou a escrever contos fantásticos antes do desencadeamento, dez ao total, como já<br />

dissemos. E depois passa a tratar da “sedi di shacina” e suas conexões. Atribui a seus<br />

escritos poderes sobrenaturais. “Aquele meu livro chamado ‘Shanura Metamórfica’,<br />

que é o primeiro deles, tem dado às pessoas uma... um poder místico mesmo”. A escrita<br />

participa e testemunha o delírio, tal qual sua pintura.<br />

Essa intrínseca articulação entre escrita e pintura é manifesta neste exemplo. A. deu um<br />

quadro para seu psiquiatra e para a funcionária administrativa do CERSAM, escrevendo<br />

para eles uma carta: “E gerou fenômeno. Eu olhei pra essa palavra escrita e é como se<br />

eu visse a celulose, a árvore, a formação de um novo papel pra todo mundo, né? Que<br />

gosta do amor, das coisas boas, delicadas, sutil” (Relato de A. em entrevista). Sua obra<br />

cria um novo espaço vital, na verdade não-relacional, no qual ele se inscreve. Parece<br />

fundar um laço que não opera com o outro, mas consigo mesmo auto-eroticamente<br />

através da obra.<br />

Ao mesmo tempo que os objetos criados com sua arte parecem operar como<br />

condensadores de gozo, eles obturam a via de acesso ao Outro. Não funcionam como<br />

artifício, ele parece não constituir com eles um “savoir-y-faire”. A. se satisfaz numa<br />

espécie de laço autista que inclui o parceiro, à medida que o exclui. Uma intervenção<br />

precisa de sua analista provoca um deslocamento desse uso da criação. Ela se recusa a<br />

‘conversar’ com ele através de seus quadros, convidando-o a falar com ela sempre<br />

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