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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

medida em que sua escrita decorre da via traumática com que ele experimentará na<br />

língua mãe, lalíngua, a entrada do significante fálico. Lacan diz que isso fica retido, pois<br />

não vem de dentro da tela (imaginária do corpo), mas de fora. “Ele, o corpo, se introduz<br />

na economia do gozo [...] pela imagem do corpo” (LACAN, 1974/1986, p. 29). Ou seja,<br />

se a relação do homem com seu corpo é imaginária, como já apontado em “O estádio do<br />

espelho” (1949/1998) pelo próprio Lacan, sua razão é real: a prematuração corporal,<br />

associada à insuficiência do simbólico. Há uma trama excedente à linguagem.<br />

Qual a questão clínica daí depreendida? Se não há um ponto comum na linguagem para<br />

todos, é preciso buscar, a cada caso, a lalíngua do sujeito. Se a palavra, apesar do<br />

dicionário, ganhará uma conotação particular e um uso não transferível no discurso de<br />

cada um, mais ainda indeterminado é o fonema articulado pelo significante. Isso não faz<br />

jamais sentido. “Então se se faz dizer com qualquer palavra qualquer sentido, onde se<br />

vai parar na frase? Onde achar a unidade elemento?” (LACAN, 1974/1986, p. 31).<br />

Perguntar pela unidade elemento – essencial ao trabalho de interpretação – faz Lacan<br />

retomar a dimensão do sintoma como o que vem do real, revirando o sentido do avesso.<br />

Ele considera, então, que a interpretação deve visar o essencial que há no jogo de<br />

palavras, e não ser aquela que provê o sintoma de sentido. Assenta seu tratamento, pois,<br />

a partir do furo do saber. Eis o ponto em que ele se depara com a letra como suporte do<br />

significante, “este suporte material que o discurso concreto toma emprestado da<br />

linguagem” (LACAN, 1957b/1998, p. 498) e que, sendo real, veicula o não-sentido. E a<br />

letra não existe sem lalíngua (LACAN, 1974/1986, p. 33).<br />

O que nos conduz à questão de como lalíngua pode se precipitar na letra. É exatamente<br />

pelo trabalho de interpretação que, enquanto trabalho de deciframento, é à cifra que<br />

retorna. “O deciframento se resume ao que faz a cifra, ao que faz o sintoma, é algo que<br />

antes de tudo não deixa de se escrever do real, e que ir cativá-lo até o ponto onde a<br />

linguagem possa equivocar-se é ali por onde o terreno está ganho em meus pequenos<br />

desenhos” (LACAN, 1974/1986, p. 33).<br />

Essa afirmação lacaniana é muito sutil e fundamental para pensarmos o que ele trata<br />

aqui em relação à clínica. Por uma via, ao trabalhar com o deciframento, poder-se-ia<br />

supor que a interpretação psicanalítica chegaria ao sentido último pelo esgotamento das<br />

possibilidades de significação. Mas isso é um engodo. Ali onde suporíamos o<br />

esgotamento estaria aberta a fonte inesgotável que multiplica a produção de sentido,<br />

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