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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

pelo gozo do blá-blá-blá, instalado entre imaginário e simbólico. É numa outra via que<br />

ele nos propõe trabalhar. Na medida em que decifra, se o sujeito desvela o que forja o<br />

sentido para ele, algo se cifra no sentido de atingir lalíngua. Esse intervalo entre coisa,<br />

traço e representação revela no falasser o modo com que acolhe o gozo. E essa operação<br />

faz cifra, redução. Convidamos o analisante a falar livremente o que lhe ocorre<br />

exatamente para colocar à prova essa liberdade de ficção de dizer qualquer coisa (o que<br />

se confirma impossível), ao mesmo tempo em que se revela um atravessamento: o ponto<br />

sintomático que o estrutura e comanda seu gozo.<br />

Por que, enfim, Lacan nos diz que está em seus pequenos desenhos o terreno que se<br />

ganha com esse equívoco da linguagem? O que aí se escreve?<br />

2.2.2 Letra e escrita<br />

Em Lituraterre (1971/1986), Lacan nos dá as indicações do que seria essa escrita. Logo<br />

de saída brinca com a etimologia do título que inventa para seu texto a ser publicado<br />

numa edição especial sobre Literatura e Psicanálise da revista Littérature. Desdobra os<br />

termos de sua invenção ao dizer que ele está antes em associação com o termo latino<br />

original Litura (em latim: risco, alteração, mancha e terra) que com Littera (referido à<br />

letra e à palavra Literatura). O que, nos parece, indica o estatuto que irá conferir à letra<br />

nesse texto. Para tratar do que faz escrita, Lacan busca avançar sobre o estatuto da letra.<br />

Na década de 50, Lacan trazia em “A instância da letra” (1957b/1998, p. 498) que<br />

“designamos por letra esse suporte material que o discurso concreto toma emprestado<br />

da linguagem”, ressaltando sua materialidade em relação à linguagem, ao significante.<br />

Na verdade, Lacan utiliza o termo lettre 30 pela primeira vez em “O Seminário sobre ‘A<br />

carta roubada” (1957a/1998), associando-o à expressão “a letter, a litter”, uma<br />

carta/uma letra, um lixo. Desde já, a idéia de uma materialidade se apresenta ao lado da<br />

idéia do que faz circular o discurso. Trata-se, no conto de Edgard Allan Poe comentado<br />

por Lacan, de uma carta a ser recuperada pois colocava em risco a rainha. Ela,<br />

entretanto, é ‘disfarçada’ numa carta velha, dejeto, que os policiais investigadores<br />

pegam sem se darem conta de ser exatamente a que procuravam. Com isso, Lacan<br />

evidencia uma dimensão outra, para além da mensageira, que reside na carta. O destino<br />

30 Lettre ganha na língua francesa um jogo homofônico permitindo ser interpretada seja como carta, seja<br />

como letra. E Lacan ainda lhe acrescenta a homofonia com litter, estendendo seu sentido a lixo, dejeto,<br />

resíduo.<br />

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