Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
“O inconsciente” (1915a/1976) avançar na discussão já esboçada em seus primeiros<br />
escritos pela perspectiva da representação de objeto como sendo resultado da<br />
representação da coisa hipercatexizada pela representação da palavra, como vimos. Já<br />
com “A perda da realidade na neurose e na psicose” (FREUD, 1924/1976) dá-se uma<br />
interessante e original elaboração, complementar ao comentário sobre o<br />
restabelecimento de Schreber. O problema da psicose não seria o da perda da realidade,<br />
mas o expediente daquilo que vem a substituí-la (LACAN, 1957-58/1998, p. 549). Na<br />
psicose, haveria uma particularidade na relação com a realidade, estabelecida a partir da<br />
estrutura da relação com o Outro, na qual o psicótico não encontra um lugar para alojar-<br />
se. Na verdade, para Freud (1924/1976, p. 231), tanto na neurose quanto na psicose, há<br />
perda da realidade, devido a “uma rebelião por parte do id contra o mundo externo, de<br />
sua indisposição – ou, caso preferirem, sua incapacidade – a adaptar-se às exigências<br />
da realidade”. Num primeiro momento, haveria um recalque das exigências pulsionais,<br />
na neurose, enquanto na psicose ocorreria uma rejeição do fato desagradável da<br />
realidade. Em qualquer dos casos, porém, haveria perda na relação com a realidade<br />
externa.<br />
A diferença entre essas estruturas diz respeito à maneira como cada uma delas irá, num<br />
segundo momento, recompor essa relação. Na neurose, um fragmento da realidade é<br />
evitado por uma espécie de fuga, mas o neurótico não repudia a realidade, apenas<br />
ignora-a, recalcando o conteúdo aflitivo. Já na psicose, a realidade é remodelada, o<br />
psicótico a repudia e tenta substituí-la, transformando-a a partir de precipitados<br />
psíquicos de antigas relações com ela. Assim, na psicose o substituto tenta colocar-se no<br />
lugar da realidade, enquanto na neurose liga-se a um fragmento dela, conferindo-lhe<br />
uma importância especial e um significado secreto, simbólico porque substitutivo,<br />
sintomático.<br />
Enquanto Freud situa na psicose um remodelamento da realidade, veremos Lacan<br />
apontar um ‘remodelamento’ de toda sua teoria a partir da psicose na década de 70.<br />
Alguns anos antes de enveredar na discussão dos nós, ele introduz o conceito de objeto<br />
a, que já forja uma topologia singular de vizinhanças, continuidades e fronteiras que<br />
rompem com a idéia de dentro e fora, articulando o eu e o mundo a partir da queda<br />
desse objeto-causa do desejo ou de sua ausência. No comentário ao Esquema I no<br />
segundo capítulo, teremos a oportunidade de vislumbrar a radicalidade da proposição<br />
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