Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
A inovação ali será fazer do sintoma uma função da letra, fixando o gozo, sem o Outro.<br />
“É mais a construção de uma teoria generalizada do sintoma. [...] Ela é válida para a<br />
neurose e para a psicose, mas inclui a teoria da metáfora neurótica a título de teoria restrita,<br />
mediante a associação daquilo que vale para um axioma suplementar, a saber, a função do<br />
Nome-do-Pai. Esta, pensada antes como defeito na psicose, é de agora em diante situada<br />
como um acréscimo, um suplemento na neurose” (SOLER, 1993, p. 52).<br />
Trata-se do fato de que uma amarração sistemática pode prender-se sem o apoio do<br />
Nome-do-Pai, valorizando a equivalência entre o sinthoma e o Nome-do-Pai: Σ = NP.<br />
Esta fórmula é um princípio cardeal da clínica borromeana. Um sinthoma pode assumir<br />
a função de Nome-do-Pai. Assim é que se obtém este esquema bem simples, segundo o<br />
qual o ponto de capitonné, tem duas formas principais, o Nome-do-Pai e o sinthoma,<br />
ficando entendido que o Nome-do-Pai, o próprio, não vale mais do que um sinthoma e é<br />
um caso distinto do sinthoma (MILLER, 1999) 51 .<br />
Essa discussão nos parece central para discutir a clínica lacaniana, pois o Nome-do-Pai<br />
é o ponto de partida de Lacan para discutir a diferença estrutural entre<br />
neurose/perversão e psicose na primeira clínica. Na segunda, com a idéia de capiton, de<br />
pontos de amarração, o significante do Nome-do-Pai deixa de ter esse lugar central na<br />
construção do diagnóstico. Miller (1999), entretanto, vai falar que isso não justifica a<br />
idéia de continuísmo entre as estruturas, mas somente dentro da psicose. Daí a<br />
importância em se avançar na pesquisa sobre o lugar que o pai passa a ter na topologia<br />
borromeana e suas conseqüências sobre o diagnóstico e a clínica.<br />
Posta essa nova versão do pai, vejamos suas conseqüências clínicas nos dois casos em<br />
que Lacan articula o pai à suplência ao longo de seu ensino. A carência do pai é termo<br />
51 Em seu Seminário de 2001, em Paris VIII, Miller retoma essa discussão realizada durante a<br />
conversação de Arcachon (1999) acerca do último ensino de Lacan. Fazer do Nome-do-Pai mais um<br />
sintoma é operar uma subversão em relação à formalização das estruturas clínicas, que vem sendo<br />
chamada de clínica continuísta em oposição à clínica referida ao Nome-do-Pai. Nessa clínica continuísta,<br />
as estruturas são pensadas em relação ao furo - que, se não nomeado, permanece invisível. E é dessa<br />
maneira que podemos falar em real como ex-sistindo ao sentido. O manejo clínico, então, opera-se caso a<br />
caso concretamente, como concretamente se manuseiam as argolas de barbante do nó borromeu,<br />
extraindo dessa experiência soluções singulares a partir do savoir-y-faire do sujeito.<br />
A primeira clínica seria regida por um ponto central, simbólico, organizador da cadeia significante e da<br />
lógica do pensamento, inclusive do inconsciente. Esse ponto de capitonné, o Nome-do-Pai, seria utilizado<br />
como balizador na formalização lacaniana das estruturas clínicas, numa topologia linear, de setas e traços,<br />
funcionando como ponto de basta, como ponto final, como ponto de corte. Ele faria a amarração dos três<br />
registros, regido por um fortalecimento do simbólico. Portanto, o Nome-do-Pai, no primeiro ensino de<br />
Lacan, é o significante por excelência que produz um efeito de sentido real. É o nome do significante que<br />
dá um sentido ao gozado. Sem o Nome-do-Pai não há lei, não há o corpo e o fora do corpo, operados pelo<br />
falo e pela condensação de gozo que ele produz. Donde se percebe claramente a dominância do<br />
simbólico. O enigma trazido pelo último ensino de Lacan trata da suspensão do Nome-do-Pai e suas<br />
conseqüências para se pensar o real. O sentido aparece desenlaçado do real. E dessa abordagem se<br />
extrairia a possibilidade de uma nova clínica.<br />
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