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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

escrevia em sua obra, nominando-se; A. parece tentar, porém sem sucesso, se escrever.<br />

Por que ele não tem sucesso nessa empreitada? Parece-nos que ele não faz de si letra,<br />

permanecendo apoiado na consistência que o Outro lhe fornece. Assim como se deixa<br />

conduzir por sua mãe no cotidiano, assim também segue apoiado no Outro para<br />

trabalhar sua estabilização.<br />

Não deixa de ser uma maneira de reinventar a linguagem, colando citações, fazendo<br />

uma bricolagem. Mas é como se ele se escrevesse com o texto do Outro de uma forma<br />

alienada a este. Não avança na invenção de uma suplência – que a “sedi di shacina”<br />

talvez poderia forjar –, não faz escrita de gozo. A loucura se apresenta nele como<br />

ausência de obra (FOUCAULT, 1964/1994), no sentido de fazer-se preenchido, não<br />

pelo vazio inaugural da criação ex nihilo, mas pelo texto do Outro que ocupa seu lugar<br />

de agente, de sujeito. Sua escrita, entretanto, garante um escoadouro de gozo, ainda que<br />

não amasse com a letra bordas para fazer desse escoadouro um espaço continente de<br />

gozo.<br />

Gentileza, por seu turno, despe-se e forja-se na caligrafia e na simbologia que inventa,<br />

um novo homem. Nasce sujeito da experiência de ser despojado de seu próprio nome.<br />

Tece com letra singular o bordado de seu texto. Rasura seu texto até chegar a um ponto<br />

inaugural. Nele, faz sulco, escreve letra no litoral urbano que o invade com sua<br />

imoralidade. Cria continência de gozo e se escreve nó, articulando os três registros<br />

através da letra forjada para seu uso. E endereça-se ao Outro, já dele descolado.<br />

Dessa maneira, vemos a nova versão de nossa hipótese avançar sobre o que, da letra<br />

fazendo escrita de nó, favorece a suplência como modalidade de estabilização na<br />

psicose. Neste caso, vemos o sujeito ensaiar outras estratégias de estabilização, que não<br />

somente a suplência, vacilando entre uma modalidade e outra, mas sem necessariamente<br />

se escrever numa obra. Joyce se escreveu; Bispo escreveu bordando uma obra para se<br />

referenciar ao Outro; Profeta Gentileza inventou uma escrita, cuja caligrafia fazia letra<br />

para advertir o Outro. E A.? A. ensaia escrever-se um nome que o afaste dos desígnios<br />

do pai, ensaia fazer uma versão do pai para dela extrair-se sujeito, ainda que permaneça<br />

encarnado no texto do Outro do qual não extrai letra-gozo...<br />

Pensar a letra, portanto, implica de fato em se pensar numa forma de escrita do nó. Ela<br />

pode se realizar através do papel, do texto, dos sons como na literatura joyceana; através<br />

das linhas e agulhas que bordavam, na arte, letras (“eu preciso dessas palavras.<br />

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