Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
pinturas de Van Gogh, por exemplo, tomadas como trabalho do real sobre o real através<br />
da produção de uma obra inaugural, inédita. Abre, pois, um precedente para se pensar a<br />
criação artística sobre uma superfície material como uma saída na psicose, aproximando<br />
seus efeitos daqueles produzidos pela escrita, como em Joyce. Antes, porém, de<br />
determo-nos na discussão das soluções (ato, metáfora delirante e obra) e da relação<br />
específica entre criação e estabilização, é interessante discutirmos como Lacan<br />
apresenta as noções de desencadeamento e a de enigma em sua obra. Elas nos serão<br />
úteis para articular o campo das estabilizações na psicanálise.<br />
1.3.1 O desencadeamento psicótico e suas conseqüências<br />
A. O desencadeamento<br />
Ainda que Lacan fale de comportamento desencadeado em seu estudo sobre o Homem<br />
dos Lobos, em 1951-52, quando ainda ministrava seus seminários em sua própria casa,<br />
o termo será elevado a conceito somente em meados da década de 50 no estudo que<br />
empreende, então, sobre a psicose, a partir do estudo freudiano do caso Schreber. Ao<br />
discutir a relação entre o moi e o instinto sexual, Lacan relembra, em relação ao Homem<br />
dos Lobos, que ele possui uma vida sexual realizada. E sobre ela diz tratar-se de um<br />
ciclo de comportamento que, uma vez desencadeado, vai até o fim, estando entre<br />
parênteses em relação ao conjunto da personalidade do sujeito. Como se vê, o<br />
desencadeamento aqui ainda não ganha ares de conceitualização, funcionando<br />
simplesmente como adjetivo.<br />
Diferente tratamento é dado ao termo no Seminário 3 (LACAN, 1955-56/1992) e no<br />
texto “De uma questão preliminar...” (LACAN, 1957-58/1998). Nesses textos, Lacan<br />
reúne as condições clínicas do desencadeamento, assentado na teoria estruturalista e no<br />
registro da fala e da linguagem. Sobre a primeira condição, a estrutura psicótica em si<br />
mesma, ele considera que<br />
“é num acidente desse registro [da linguagem] e do que nele se realiza, a saber, a foraclusão<br />
do Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da metáfora paterna, que apontamos a<br />
falha que confere à psicose sua condição essencial, com a estrutura que a separa da<br />
neurose” (LACAN, 1957-78/1998, p. 582).<br />
A primeira condição para a ocorrência do desencadeamento no final dos anos cinqüenta<br />
é a própria condição estrutural da foraclusão do Nome-do-Pai na psicose. Essa condição<br />
Lacan a explicita ao dizer que é preciso admitir que o Nome-do-Pai reduplica no lugar<br />
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