Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
4.2.3 Uma leitura borromeana do caso<br />
‘Algo a compensar’ ou ‘solução a inventar’ seriam, resumidamente, os caminhos para<br />
se pensar o tratamento na psicose, conforme o que Lacan nos ensina, respectivamente<br />
nas décadas de 50 e de 70. No primeiro período de seu ensino, marcado, como vimos,<br />
por uma preocupação estruturalista com o simbólico, é em torno do Nome-do-Pai como<br />
significante que organiza a solução neurótica que o conceito de psicose se desenvolverá.<br />
O sintoma neurótico, enquanto formação do inconsciente, é tomado como metáfora,<br />
estruturada a partir desse significante primordial (NP). A foraclusão do NP implicaria<br />
na estrutura psicótica, enquanto os fenômenos psicóticos seriam articulados ao<br />
significante real, fora da cadeia, e produzidos pela carência do efeito metafórico. Daí a<br />
solução psicótica nesse período, apoiada no modelo neurótico, ser pensada enquanto<br />
compensação pela via da metáfora delirante que faz as vezes da metáfora paterna, na<br />
qual o Nome-do-Pai é um operador simbólico essencial a sua trama.<br />
Ao final de sua transmissão, Lacan se ocupará das diferentes e singulares maneiras de<br />
amarração dos três registros em face da falha estrutural da linguagem [S(%)], que se<br />
impõe para todos. Trata-se aqui de uma solução positiva em qualquer estrutura clínica e<br />
não mais de um déficit da psicose em relação à neurose. A diferença entre as duas<br />
estruturas clínicas consistiria no fato de que o neurótico responderia pela via da função<br />
do Nome-do-Pai, enquanto o psicótico pelo ‘não’ ao Pai.<br />
A conseqüência desse corte epistemológico é que, enquanto para a neurose pode-se<br />
fazer uma teoria restringida ao Édipo para se pensar a solução subjetiva, para a psicose é<br />
preciso verificar caso a caso como o sujeito produz sua solução modulando a relação<br />
entre os três registros. Multiplicam-se, portanto, as possibilidades de estabilização que<br />
funcionarão como direção no tratamento, devendo cada caso ser examinado em sua<br />
singularidade. Assim, como vimos na discussão da proposta de Skriabine (2006),<br />
apoiada na abertura e no convite feito por Miller (2003c), as soluções psicóticas em<br />
Lacan ganham novo estatuto com a formulação topológica do nó borromeu.<br />
É o que podemos verificar no caso do Profeta Gentileza. Pouco a pouco, ele<br />
transformou seu nome próprio forjando uma nomeação a partir do trabalho de escrever a<br />
letra como suporte de dois pares binários significantes: 1) favor-gentileza e 2) obrigado-<br />
agradecido. Acreditamos que aqui uma primeira produção de sentido, concomitante a<br />
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