Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
termos: gentileza e agradecido. Sabemos que o significante só existe em relação a outro<br />
significante, produzindo sentido pelo deslizamento na cadeia. A definição lacaniana<br />
clássica de que o significante é o que representa o sujeito para outro significante implica<br />
a inclusão do sujeito como sujeito do inconsciente e, ao mesmo tempo, evidencia a<br />
estrutura de binariedade intrínseca à própria definição estrutural de significante. Para<br />
Lacan (1957b/1998, p. 501), é uma ilusão acreditar que o significante "atende à função<br />
de representar o significado". Ao contrário, tanto a coisa está ausente como um outro<br />
significante está sempre referido pelo primeiro. O que demarca o significante é sua<br />
função diferencial.<br />
Parece-nos, portanto, que Gentileza elege um significante que, tal qual o significante-<br />
mestre recalcado na neurose, o identifica a um traço. Assim, diferentemente do<br />
neurótico que se localiza entre dois significantes – posto a tradução não ser possível de<br />
se completar – Gentileza se revela e constrói no trabalho de isolamento do significante<br />
que, extraído do enxame desordenado de S1 da psicose, faz Um, escreve a letra. É essa<br />
escrita que civiliza o gozo, tornando-o suportável.<br />
Porém, com Lacan ainda, vamos mais longe. Aprendemos que a letra é o suporte<br />
material que o discurso toma emprestado da linguagem (LACAN, 1957b/1998, p. 498) e<br />
que ela se manifestará no inconsciente pela homofonia (LACAN, 1957-58/1998, p.<br />
576), pelo sulco que faz vibrar em lalíngua uma forma de gozo (LACAN, 1971/1986).<br />
Assim, com Gentileza, parece-nos haver um trabalho do sujeito no sentido de se fazer<br />
escrever por uma letra que, isolando esse par significante, pode cumprir uma função de<br />
diferenciação, ali onde reinava na psicose uma solução de continuidade indiferenciada.<br />
Nesses pares binários, gentileza-favor e agradecido-obrigado, situa-se a tentativa do<br />
sujeito de fazer uma inscrição no intervalo que não houve, a escrita de um furo que pode<br />
se tornar verdadeiro no nó suplenciado.<br />
4. Passemos à quarta fase, a do consentimento ao gozo do Outro, em que Gentileza não<br />
se vê mais obrigado a aceitar aquilo que lhe chega do Outro como gozador e consente<br />
gentilmente com esse imperativo. Maleval (1996) nos diz que ao chegar nessa última<br />
fase do delírio, o psicótico não sofrerá mais das inquietações que o atormentavam até o<br />
período precedente. O sujeito não se sentirá mais perseguido, encontrando-se de pleno<br />
acordo com a nova realidade por ele construída. Em Gentileza, o consentimento ao gozo<br />
do Outro nos parece operar através das pregações religiosas que realiza ao longo do país<br />
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