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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

Na última aula do Seminário XXIII, Lacan vai tratar da escrita do ego de Joyce como<br />

reparação de um erro da cadeia borromeana a três, que recebe um elemento a mais no<br />

ponto em que o erro se insere. O quarto elemento introduzido, o sinthoma ou o ego de<br />

Joyce, repara o erro, atando os três registros. Ego, bem entendido, não como uma versão<br />

imaginária e narcísica do eu, pois, como nos disse Lacan (1975-76/2005, p. 147), “o<br />

ego cumpriu nele [Joyce] uma função da qual eu não posso dar conta senão através de<br />

meu modo de escrita. [...]. A escrita é essencial a seu ego”.<br />

Como vimos, Lacan localiza o erro num entrelaçamento entre o Simbólico (sintoma) e o<br />

Real (inconsciente), que deveriam estar apenas superpostos, enquanto o Imaginário, reta<br />

infinita, estaria solto. Se há entrelaçamento, a condição borromeana dessa amarração se<br />

perde.<br />

Lacan evidencia este estatuto do Imaginário com a declaração de Joyce sobre seu corpo<br />

soltar-se de si como uma casca, quando ele leva uma surra de seus amigos, como já<br />

discutido. Ele se pergunta por que não quer mal a esses amigos, por que não<br />

experimenta nenhum sentimento por eles. Ele metaforiza sua relação com o corpo ao<br />

tomá-lo como a casca que se solta. Desta vez, ele não gozou, mas teve uma reação de<br />

repugnância. Essa idéia do deixar-se cair em relação ao próprio corpo é o que chama a<br />

atenção de Lacan. É uma idéia de si como corpo que tem peso de ego para Joyce. Além<br />

disso, a escrita joyceana, através das epifanias, testemunha a conseqüência que resulta<br />

desse erro que ata o Inconsciente ao Real.<br />

Sua reparação se fez exatamente no ponto em que o Simbólico entrecruza o Real. Para<br />

isso, é preciso fazer a fabricação do nó. E fazê-lo se reduz a escrevê-lo. O nó é um apoio<br />

ao pensamento: apensamento, como escreve Lacan para incluir o objeto a, além do<br />

significante nessa operação 84 . É curioso que seja preciso escrever o nó para ver como ele<br />

funciona. A escrita é o fazer que dá suporte ao pensamento. Mas o nó borromeano muda<br />

o sentido da escrita, confere-lhe autonomia, mostra que o que se modula na voz não tem<br />

nada a ver com a escrita. Mostra que há algo a que se pode enganchar significantes. A<br />

escrita muda o sentido do que está em jogo. Como? Na medida em que os nós sustentam<br />

o objeto, o ossobjeto.<br />

“É bem o que caracteriza a letra com que eu acompanho esse ossobjeto, a saber, a letra<br />

84 Lacan continua no seu jogo com as homofonias. Aqui la pensée, o pensamento em protuguês, é escrito<br />

appensée, pensamento com ‘a’, objeto a, como ele explica logo em seguida (LACAN, 1975-76/2005, p.<br />

144). Optamos por traduzir por apensamento para resguardar a referência à presença do objeto a como<br />

suporte.<br />

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