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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

material. Nosso foco era a materialidade dessa superfície da criação artística ou<br />

artesanal que poderia oferecer-se como apoio para a construção de uma solução.<br />

Perguntávamos, nessa hipótese, se o sujeito poderia prescindir da escrita para forjar um<br />

sinthoma, dado que o caso paradigma era, então, a escrita joyceana.<br />

A discussão empreendida até então neste capítulo nos conduz a um refinamento<br />

necessário dessa discussão, a partir de dois aspectos ao menos. Primeiramente, com a<br />

introdução das noções de letra e de lalíngua na década de 70, a escrita ganha, para a<br />

psicanálise, uma nova materialidade, um novo suporte. Se antes o sujeito se escrevia<br />

sobre um traço apagado, a partir da incidência do significante do Nome-do-Pai, com a<br />

entrada da letra enquanto suporte do significante e litoral entre simbólico e real, a<br />

escrita se faz sobre a ausência de um traço anterior, ela é inaugural em si mesma. A<br />

letra, ao mesmo tempo em que escreve, faz resvalar um gozo a mais, disjunto do campo<br />

do Outro, suplementar, que carece de tratamento.<br />

Dessa forma, a superfície material de nossa hipótese não pode mais ser tomada somente<br />

como a argila ou uma tela, mas antes como letra, que pode ou não se escrever. A base<br />

dessa escrita é, ao mesmo tempo, material e substancial. E, suponhamos por hora, que<br />

essa escrita, se não se faz, não há amarração entre os registros. Na discussão dos casos,<br />

poderemos avançar sobre a caligrafia e as conseqüências da letra quanto à suplência,<br />

que se faz necessariamente a partir de uma escrita...<br />

E, como segundo aspecto, deveremos operar um deslocamento de perspectiva, de<br />

abordagem de nosso questionamento. A questão sobre a obra, sobre a criação<br />

permanece. Entretanto, ela passa a exigir uma outra maneira de ser enfocada. Não é o<br />

recurso “criação artística ou artesanal” que, presente ou ausente, realizará uma<br />

suplência. Trata-se mais do uso, da operação, que o sujeito realiza através, sobre ou a<br />

partir da criação do que dela em si mesma. A questão é, antes, a de localizar no estilo de<br />

resposta que o sujeito constrói a forma de amarração que ele realiza e nesta, então,<br />

pensar como a criação comparece. O que interessa à clínica é mais a habilidade no uso<br />

operatório dessa “arte” de saber-fazer do que a arte como recurso em si mesma.<br />

“É lá que se revela a arte, a habilidade de Joyce, e especialmente em Ulisses: capturar o<br />

deslizamento incessante do pensamento à deriva, mobilizado no endereçamento ao outro,<br />

retornando ao seu autismo; cerrar o não-sentido desse pensamento, revelar a<br />

moterialidade 58 , como dirá Lacan, na qual se fixa o não-sentido destes pensamentos que se<br />

emboscam e se captam nos significantes” (SKRIABINE, 2006, p. 61).<br />

58 Lacan brinca com a idéia de que a palavra (mot) articula uma materialidade nela mesma, pela via da<br />

letra. Daí falar em “moterialité” como sendo o que realiza a pega do inconsciente.<br />

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