Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
soluções).<br />
“Mas, como fui ator, Artaud fica importante para mim. O teatro é como se fosse a gênese, a<br />
criação, ali que consegui preencher as línguas vazias, o ‘sedi di shacina’. Quando cê grava<br />
com força no seu cérebro, essa lei vivifica uma emoção arquivada, fica viva” (Relato de A.<br />
em entrevista).<br />
Lalíngua vivifica o corpo de gozo, confere à linguagem sua matéria-prima. Mas da<br />
tentativa de escrever a letra, A. parece resvalar para o semblante, para o que faz<br />
miragem fálica com o ‘ator’. “Nada é mais distinto do vazio escavado pela escritura do<br />
que o semblante” (LACAN, 1971/2003, p. 24-25). Parece ser de outro lugar do discurso<br />
que o significante captura a letra no seu caso. É aí, talvez, que a solução de A. desliza<br />
vazia de significação para significação como semblante, sustentado pelas máximas que<br />
retira de seu Outro-Artaud.<br />
O falo, como corolário do Nome-do-Pai na década de 50 e como ex-sistência na década<br />
de 70, apresenta-se em seus escritos como “pau de plástico”, inconsistente. “SEDI DI<br />
SHACINA CUJO O APOIO SÓ PODE SER UM PAU DE PLÁSTICO, ASINALA O<br />
MARAVILHOSO MÉDICO QUE SALVA VIDAS.. DIS. PHA, PHITA, ES. ET,<br />
KISROM. EL. COMO POETA.” Não há o pai ou um pai da exceção que amarre os três<br />
registros. Há uma versão de pai a ser inventada. Será preciso fundar, em torno do “sedi<br />
di shacina”, uma nova ordem? A saída pelo semblante parece não se sustentar de sua<br />
consistência. A “sedi di shacina” se ampara na inconsistência de um “pau de plástico”.<br />
O significante fálico não opera sua função de fundar num fora-corpo, pelo significante,<br />
uma via de gozo. Ele não cria a condição do gozo fálico. O pênis real, dessa maneira,<br />
não adquire sua função simbólica, restando como pedaço de corpo.<br />
Aí podemos verificar significante e gozo disjuntos num corpo que sofre os efeitos dessa<br />
maneira singular de apresentação em lalíngua. Parece não haver uma letra que fixe uma<br />
forma de gozo, ou seja, que suporte o significante, que entrelace o gozo ao corpo. A<br />
letra enquanto traço sobre o qual repousa o significante, nesse caso, não se escreve<br />
como suplência. O esforço do sujeito vaga nos destroços simbólicos originários que<br />
aqui aparecem como pedaços de real que, não sendo contornados, fisgados, amarrados,<br />
retornam enquanto alucinação do verbo sobre o corpo.<br />
A articulação da frase com o teatro possui outra vertente. Em uma das entrevistas, ao<br />
citar Artaud, A. faz o que seria um ato falho e localiza o “sedi di shacina” no lugar da<br />
“criação espontânea” do teatro da crueldade, fazendo equivaler a criação de uma nova<br />
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