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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

borromeanamente. A consistência desse suporte diz respeito à letra, inscrita pela “outra<br />

forma” de escrita joyceana do sinthoma. Parece-nos que é a esse fenômeno que Lacan<br />

se refere ao falar de arte ou artesanato. A partir de um quarto elemento, Joyce inventa<br />

um nome assentado sobre sua obra.<br />

A partir do comentário de Jacques Aubert sobre Joyce no Seminário XXIII, Lacan<br />

(1975-76/2005) pôde nomear aquilo em que Joyce confiou, mais que em seu Pai, para<br />

se sustentar: seus sintomas. As epifanias 20 – “essas breves frases tiradas do contexto que<br />

poderia dar-lhes significação, esses fragmentos de discursos nos quais o sem sentido<br />

reluz” (SOLER, 1990, p. 18) – traduziriam esse momento em que o gozo efetivamente<br />

se adensa, passando Joyce a confiar nele. As epifanias funcionam de modo autônomo no<br />

texto joyceano, isoladas de qualquer contexto ou, em termos lacanianos, como<br />

significantes puros, isolados de toda significação, donde provém seu caráter<br />

condensador e desprovido de qualquer sentido.<br />

Pela escrita, Joyce consegue metaforizar sua relação com o corpo. Lacan destaca essa<br />

dimensão no episódio de Finnegans Wake em que, apanhando de seus colegas, Joyce<br />

sente seu corpo soltar-se como uma casca. E disso ele não extrai gozo. O interessante<br />

mesmo não são as metáforas que ele emprega, mas que algo realmente cai, solta-se de<br />

seu corpo como uma casca. “É como alguém que coloca em parênteses, que expulsa, a<br />

má lembrança” (LACAN, 1975-76/2005, p. 150), ou seja, que faz sintoma numa<br />

dimensão que está para além do símbolo. Podemos dizer que, com a análise do caso de<br />

Joyce, Lacan passa “da obra como expressão de um sintoma à obra como sintoma sem<br />

expressão, ou melhor, da obra como símbolo de um sintoma à obra como sintoma sem<br />

símbolo” (MANDIL, 2003, p. 24).<br />

Nessa terceira possibilidade de estabilização, parece-nos que Lacan dá um passo largo<br />

ao incluir a letra e o que ela traz de irredutível, bem como ao evidenciar o vazio de<br />

significação que habita a própria linguagem, exigindo do enigma que dela nasce a<br />

20 O termo epifania, como nos explica Mandil (2003, p. 124-125), foi “retirado da tradição cristã; referese<br />

a uma manifestação do Verbo no campo da percepção, em geral, e do visível, em particular”. Em<br />

Joyce há uma aproximação entre as epifanias e as claritas (radiância; alma ou essência do objeto<br />

apreendido esteticamente), terceiro elemento da estética de inspiração tomista que, de certa forma, se<br />

opõe à dimensão da aparência do objeto, correlacionada à integritas (percepção da imagem estética como<br />

um todo) e à consonantia (manifestação da simetria e do ritmo na apreensão da obra). “Coletadas em<br />

cadernos, as epifanias joyceanas são pequenos fragmentos de texto, isolados de um contexto narrativo,<br />

ocorrendo invariavelmente na terceira pessoa e transmitidas em tom impessoal, estático, o que permitirá<br />

seu enxerto posterior ao longo das obras de Joyce” (Id., ibdem). Sobre as epifanias, cf. também Joyce<br />

avec Lacan (AUBERT, 1987, p. 87-95).<br />

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