Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
Flechsig para Deus a figura do pai de Schreber, com a qual ele se apaziguaria.<br />
3. Identificação do gozo do Outro assentado num significante, “mulher de Deus”, o<br />
gozo do Outro, a partir de então, se encontra identificado. Porém, a aceitação da<br />
feminilização progressiva de Schreber não implicou no desaparecimento do<br />
sentimento de que uma violência estava sendo-lhe infligida. A diferença é que<br />
agora, no delírio, os perseguidores se encontrariam identificados.<br />
4. Consentimento ao gozo do Outro, que implica no consentimento com a nova<br />
realidade construída a partir da certeza de que um saber fundamental foi adquirido.<br />
Em Schreber, esse saber aparece como advindo do Todo-Poderoso e é acompanhado<br />
de construções fantásticas e temas megalomaníacos. Maleval (1996) localiza essa<br />
última fase do delírio de Schreber em 1897 quando o drama do sujeito se torna o<br />
motivo futuro de uma redenção interessante do universo e sua feminilização culmina<br />
na eviração, seguida pela fecundação por meios divinos, com o objetivo de gerar<br />
novos homens, de uma raça superior, feitos do espírito de Schreber. A convicção<br />
desse tema fantástico aumenta na medida em que diminui o sentimento persecutório.<br />
Assim, podemos dizer que são condições de possibilidade da metáfora delirante:<br />
(a) a presença da atividade delirante;<br />
(b) o trabalho de localização delirante do gozo do Outro, através de uma operação<br />
de redução significante;<br />
(c) o consentimento com a experiência de gozo aí nomeada.<br />
Maleval (1996) também destaca que muito raramente se atinge esse nível de elaboração<br />
delirante em termos de metáfora, acontecendo, no mais das vezes, uma tentativa<br />
desordenada de construção delirante ou mesmo apenas uma defesa paranóide. Além<br />
disso, como nos lembra Zenoni (2000), a conclusão de uma metáfora delirante, como<br />
qualquer trabalho de elaboração simbólica, deixa um resto inassimilável que pode<br />
aparecer sob a forma de um gozo suplementar. Com isso, instala-se o risco de uma<br />
passagem ao ato ou de uma nova desestabilização. Dessa maneira, o cálculo clínico<br />
quanto ao delírio na direção de um tratamento deve considerar esse risco. Muitas vezes,<br />
também o delírio dificulta e faz obstáculo à construção de enlaçamentos sociais na<br />
psicose.<br />
Com tudo isso, podemos dizer, no tocante às estabilizações psicóticas, que a metáfora<br />
delirante nos evidencia a possibilidade de um trabalho de simbolização, de trabalho<br />
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