Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
esse dentro inaugural é expulso, ou seja, na medida em que, apesar de a percepção<br />
receber uma primeira indicação, um primeiro registro de percepção, ela não pode se<br />
transformar em “lembranças conceituais” (FREUD, 1896b/1976, p. 325) por falta da<br />
inscrição que amarraria a função da exceção do Pai, o traço unário inconsciente. Daí<br />
termos como resultado um estado de percepção que não passa ao estado de<br />
representado. “O próprio significante sofre profundos remanejamentos” (LACAN,<br />
1955-56/1992, p. 104).<br />
A Verwerfung atingiria o próprio ponto em que uma marca deveria apagar-se para<br />
tornar-se significante, constituindo o sujeito psicótico pela exclusão de um dentro<br />
primitivo. Na ausência da passagem do desejo para o significante que uma amarra<br />
tornaria possível, os traços mnêmicos do percebido pré-histórico (visto, ouvido, sentido)<br />
permanecem em estado de percebido real, pura percepção sem nenhum traço que a<br />
represente. No sistema percepção-consciência, podem apenas ser experimentados, mas<br />
não inscritos. Entre a inscrição das percepções e o pronunciamento das palavras<br />
conscientes, habitaria uma vazio criado pela abolição das inscrições mnésicas no<br />
inconsciente (RABINOVITCH, 2001). Ou seja, a operação alteraria a própria maneira<br />
como as marcas se inscrevem, tornando-as reais e fazendo coincidir o real com o<br />
inconsciente. Daí o psicótico recorrer a palavras em vez de coisas 15 , pois são elas que,<br />
ainda que esvaziadas de sentido, encontram-se a sua disposição, como, por exemplo, na<br />
construção delirante em que se dá a tentativa de lhes conferir uma significação<br />
inventada e originalmente ausente.<br />
Essa significação essencial ausente diz respeito ao sujeito na medida em que é o ponto<br />
no qual o significante Nome-do-Pai, não tendo se inscrito, mas antes estando foracluído<br />
no lugar do Outro, não permite ao sujeito nomear-se (LACAN, 1955-56/1992). O não<br />
ausente do inconsciente é o não outrora significado pelo Pai como interdição. O Nome-<br />
do-Pai seria o nó que enlaçaria as duas pulsões que se encontram desagalmadas na<br />
psicose, como disse Freud.<br />
15 Freud decompõe a representação consciente do objeto em representação da coisa hipercatexizada<br />
através da ligação com a representação da palavra que lhe corresponde, articulando que no Inconsciente<br />
permanece apenas a representação da coisa do objeto – ponto foracluído na psicose. Daí extrai que a<br />
catexia das representações de palavra é retida na psicose já que ela não faz parte da operação de rejeição.<br />
Ela representa, na verdade, a primeira das tentativas de restabelecimento, dirigidas à recuperação do<br />
objeto perdido. “E, pode ser que, para alcançar esse propósito, enveredem por um caminho que conduz<br />
ao objeto através de sua parte verbal, contentando-se com palavras em vez de coisas” (FREUD,<br />
1915a/1976, p. 232).<br />
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