Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
Apontado nos casos clínicos o que da criação se faz escrita de nó, podemos concluir que<br />
a estabilização psicótica, quando faz suplência, se articula no nível do artifício que o<br />
sujeito inventa para fazer dessa criação letra de gozo.<br />
Descartes nos ensina a nos exercitarmos nas coisas mais simples – como no trabalho<br />
dos artesãos que fazem tapetes, no das mulheres que bordam ou fazem renda e nas<br />
combinações de números pela aritmética –, porém com método, até chegar à sua<br />
verdade íntima. Assim, podemos deduzir de princípios evidentes várias proposições que<br />
parecem difíceis e complicadas.<br />
Essa é a indicação a que Lacan se refere ao abrir seu seminário topológio, o Seminário<br />
RSI, no qual nos introduz efetivamente na topologia dos nós, especialmente na<br />
topologia borromeana. Para ele, não foi por acaso que Descartes aproximou a<br />
aritmética, os tapetes, as tranças e os nós, ainda que ele não tenha se ocupado desses<br />
últimos. Ele toma como orientação essa relação cartesiana para dela extrair suas<br />
conseqüências clínicas.<br />
As tranças do nó borromeu implicam na escrita característica dos três registros para o<br />
falasser. A especificidade do falasser reside no fato de que os registros entre si estão<br />
soltos dois a dois, sendo atados de uma maneira borromeana pelo terceiro. A não-<br />
relação entre cada dois registros mostra a impossibilidade da relação sexual, exigindo a<br />
presença de um terceiro elemento para atá-los. Esse é o efeito real do nó: os registros se<br />
encontram sobrepostos dois a dois, sendo enodados por um terceiro de tal forma que,<br />
rompendo-se um deles, os outros dois registros quedam desatados. É assim que o nó faz<br />
existir o furo.<br />
Foi essa característica que levou Lacan a isolar em um quarto elemento, por ele<br />
denominado sinthoma, o efeito real do nó. Com isso, evidencia a impossibilidade<br />
original do ser falante de dar conta do real – foraclusão generalizada –, havendo sempre<br />
a necessidade de um quarto elemento para suplenciar a relação originalmente faltante do<br />
sujeito com o Outro. Não existe Outro do Outro que garanta a escrita do sujeito como<br />
ser de linguagem. A linguagem aparece, então, como ornamento, como elucubração do<br />
sujeito sobre o campo de gozo que a língua materna (lalíngua) contém.<br />
A entrada da linguagem no real do corpo é sempre traumática e será escrita pela letra,<br />
enquanto litoral entre real e simbólico. É sobre esse suporte que se apóia o significante<br />
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