Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
Com essa leitura topológica de Joyce, Lacan inaugura uma possibilidade até então<br />
inédita, a de se pensar as soluções encontradas pelo falasser diferentes das soluções<br />
borromeanas. Avançaríamos para além do corte operado pela presença (neurose ou<br />
perversão) ou foraclusão (psicose) da Bejahung fundamental para um território das<br />
soluções que vão da ausência de suplência com o desanodamento do nó, passam por<br />
enodamentos não borromeanos ou borromeanos, até chegar à continuidade entre os três<br />
registros. Passa-se a contar, no campo das psicoses, com uma gama de soluções<br />
graduadas.<br />
Nesse ponto, nossa hipótese original pôde ser, então, rearticulada. A questão acerca da<br />
incidência da criação artística ou artesanal no trabalho de estabilização psicótica recai<br />
sobre a possibilidade dela provocar um enodamento, uma escrita de nó que enlace os<br />
três registros. Está em questão menos a criação concreta em si mesma do que o artifício<br />
que o sujeito pode inventar a partir dela. Nesse sentido, na clínica das psicoses,<br />
aprendemos que o estilo sugerido pelo sujeito em tratamento é o elemento indicativo<br />
para se pensar as vias de sua estratégia de estabilização. Oferecer aleatoriamente<br />
variados recursos é diferente de seguir as pistas do erro do nó e pensar, então, o ponto a<br />
partir do qual pode se escrever uma solução.<br />
Os dois casos estudados evidenciaram essa diferença na medida em que, apesar de os<br />
dois apresentarem farta criação e escrita, somente a presença destas não garantiu uma<br />
via de construção de uma forma de estabilização. Foi preciso que Gentileza fizesse de<br />
sua obra um artifício para lidar com o Outro e com o gozo através da escrita da letra em<br />
sua caligrafia, para que acedesse a uma suplência. Quanto à A., apesar de sua farta<br />
criação pictórica e escrita, permanece à mercê do Outro, imerso num gozo invasivo que<br />
recai sobre seu corpo, circunscrito apenas contingencialmente pelo encontro com o<br />
objeto olhar. São o artifício criado e seu uso, savoir-y-faire, que podem conduzir a uma<br />
solução no campo das psicoses.<br />
Sabemos, porém, que a psicanálise, ao passar por um certo número de enunciados, não<br />
leva necessariamente todos à via de escrever. Se, porém, tomamos a escrita como escrita<br />
do nó, ela sempre vai contar, pois ao nível da caligrafia do sujeito, é esta letra que faz o<br />
em-jogo da aposta, amarrando e cifrando o gozo. É o que a psicose aqui pode ensinar à<br />
psicanálise.<br />
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