Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
representação primordial sobre o ser do sujeito psicótico que não encontra meios de<br />
significar-se, representar-se. Essa significação não vem de parte alguma e não remete a<br />
nada, posto não ter sido simbolizada. Será no caso do Homem dos Lobos, relatado em<br />
“História de uma neurose infantil” (1918[1914]/1976), que Freud utilizará o termo<br />
Verwerfung num fragmento clínico que o evidencia para nomear essa não inscrição de<br />
uma representação fundamental, diferente da operação do recalque para a neurose. É<br />
importante entendermos o que se opera como defesa nesse nível para que possamos<br />
adiante discutir as diferentes maneiras que o sujeito pode inventar para tratar dos efeitos<br />
particulares dessa operação constitutiva.<br />
1.2.2 A topologia da negativa na psicose: die Verwerfung<br />
No texto “A negativa” (1925/1976), Freud diz que a negação ou denegação 12 constitui<br />
um modo de tomar conhecimento do que está recalcado. Trata-se de uma suspensão do<br />
recalque, mas nem por isso uma aceitação do recalcado, evidenciando que a função<br />
intelectual está separada do processo afetivo. Para ele, negar ou afirmar o conteúdo de<br />
pensamentos é tarefa da função do julgamento. Assim, um juízo negativo seria o<br />
substituto intelectual do recalque, “o seu ‘não’ é a marca distintiva da repressão<br />
[recalque], um certificado de origem – tal como, digamos, ‘Made in Germany’” (p.<br />
297). A criação do símbolo da negativa possibilitaria um primeiro grau de<br />
independência dos resultados do recalque.<br />
Nesse texto, Freud estaria, segundo Hyppolite (1954/1998), apontando a origem da<br />
inteligência. A partir do conceito de Aufhebung, familiar ao vocabulário hegeliano com<br />
o qual o filósofo possuía grande intimidade, ele realiza a leitura do processo da<br />
denegação. Ele situa neste conceito, que não é ainda uma aceitação do recalcado, o<br />
nascimento do pensamento, afetado, primariamente, pela denegação. Além disso,<br />
retoma a dialética do senhor e do escravo para destacar, nesse nascimento mítico, a ação<br />
da pulsão de destruição. No entanto, a denegação realizaria sua função, não como<br />
12 Segundo a intervenção de J. Hyppolite (1954/1998), filósofo francês hegeliano, sobre o texto freudiano<br />
no seminário de Lacan sobre “Os escritos técnicos de Freud” (1953-54/1986), a tradução francesa mais<br />
adequada ao termo alemão Verneinung seria denegação, sendo primordial para a compreensão do texto a<br />
distinção entre a negação interna ao juízo e a atitude de negação. Vidal (1988, p. 16-17), em discussão do<br />
mesmo texto, aponta que denegação, na língua portuguesa, seria um vocábulo pertinente ao campo<br />
jurídico implicando num indeferimento, numa recusa a uma demanda, no sentido de não aceitar. Assim,<br />
ele prefere adotar o termo negação, no sentido de ‘dizer não’, que não é estritamente um conceito, mas<br />
uma operação que age sempre sobre a frase, incluindo nesse registro lógico a negação de uma proposição<br />
e também a negação gramatical.<br />
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