Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
são as forças de um louco em repouso, não transtornado”, relata A. citando Artaud. Ele<br />
começa a pintar por estímulo da família e para presentear pessoas com suas telas. Com<br />
isso, ficaria conhecido e faria o “fenômeno” acontecer. Através de suas telas, ele<br />
estabeleceria uma forma de comunicação telepática com as pessoas, podendo conversar<br />
com elas mesmo em sua ausência. Instalado o quadro na casa dos outros, produziria<br />
felicidade para eles. Não é uma missão, como a de Gentileza, mas é um objetivo que ele<br />
estabelece a partir do “sedi di shacina”. “A nossa amizade, nós não nos conhecíamos,<br />
né, cara? Agora, olha o fenômeno. [...] Olha o fenômeno, o quadro que uniu a gente.<br />
[...] A arte é que faz isso, a arte apresenta novas coisas, novas amizades, né?” (Relato<br />
de A. em entrevista). O “fenômeno” parece incidir no ponto em que a relação com o<br />
Outro se mostra consistente por demais. A. parece precisar de um recurso de mediação<br />
que talvez faça para ele a função que a linguagem faz para o neurótico.<br />
Para ele, a pintura funciona também como uma espécie de canalizadora de energia, uma<br />
via de investimento e transformação pulsional. “Eu pintei os quadros até que as coisas<br />
foram melhorando, né? Porque aí a própria ‘sedi di shacina’, como não é esse nome de<br />
sangue, passou pro pincel e virou uma imagem, sabe como é?”. Como vimos, o que<br />
ganharia talvez uma solução pela passagem ao ato, é claramente orientado em um outro<br />
sentido aqui. A pintura volatiza o impulso ao ato, articulando a pulsão de morte a um<br />
contexto de criação ou à pulsão de vida. Parece-nos que o ato de pintar realiza, por si<br />
mesmo, esse amálgama pulsional, conferindo a A. uma estratégia de amarração do gozo<br />
disperso. “A vontade de, por exemplo, canalizar as energias úteis, de ajudar uma outra<br />
pessoa, de ajudar a mim mesmo em vez de ficar inerte lá. Quando você tá inerte, sua<br />
mente funciona de um jeito, agora quando você tá trabalhando, ela funciona bem<br />
melhor” (Relato de A. em entrevista).<br />
A pintura nos parece produzir seu efeito em dois níveis pelo menos. De um lado, o<br />
produto da criação pictórica, o quadro como objeto, se apresenta na dimensão de uma<br />
tentativa de inscrição imaginária na relação com os outrinhos, na qual, feito objeto do<br />
Outro, ele se apresenta no quadro como objeto ao outro. Ele também, nesse ato, faz um<br />
endereçamento, dirige sua criação na busca de alguma forma de reconhecimento no laço<br />
social. O ato de criação, por outro lado, estabelece uma saída num nível em que articula<br />
os registros. Ela parece tentar se escrever entre os registros real e simbólico numa prega<br />
através do imaginário. Todas as suas telas, é bom lembrar, representam figuras e<br />
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