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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

1975/1986, p. 32-33).<br />

A sutileza da abordagem clínica aqui se localiza no fato de que a via para se fisgar o<br />

Real é a letra. É a partir do momento em que se agarra o que há de mais vivo ou de mais<br />

morto na linguagem – a letra – que se tem acesso ao Real. É o que permite aceder ao<br />

gozo do Outro, pois este, estando fora da linguagem, separado da representação, não<br />

existe senão enquanto acessado pela letra. O gozo do Outro, como vimos, implica na<br />

impossibilidade de dois corpos fazerem um, e o falo é o que mascara a todo tempo essa<br />

impossibilidade. Donde Lacan tratar de um estreitamento do gozo fálico e de um acesso<br />

ao Real por mordiscadelas. Ele localiza na rodela do real a vida. Ela é esse inabordável,<br />

esse insondável que a ciência busca incessantemente decodificar e explicar. Não é<br />

porque o inconsciente é estruturado como uma linguagem, que ele, na mesma medida,<br />

não dependa estreitamente de lalíngua, essa língua morta que continua em uso.<br />

Outro ponto sutil que se fortalece nessa abordagem clínica é o fato de que esse resto<br />

inanalisável, o que do inconsciente não se interpreta jamais, o sujeito tomará a seu<br />

encargo para seu uso, responsavelmente.<br />

Encontramos em Joyce uma arte de “saber fazer com” o inconsciente que nos fornece<br />

uma via para articular a clínica borromeana. Com sua escrita, ele cria uma série de<br />

solilóquios, o pensamento que flutua, que vai à deriva, que associa, que não cessa. O<br />

sujeito pensa todo o tempo, é um monólogo interior. Ele pensa para ele, de um modo<br />

solipsista, levado pelas sensações, pelas imagens, pelos sons. Ele divaga a seu bel-<br />

prazer e, de tempos em tempos, isso eclode sobre o real [ça bute sur du réel]. Essa<br />

mesma melodia se aproxima do que o analista escuta de seus pacientes, a melodia da<br />

música do inconsciente. De um modo absolutamente particular, cada um fala da mesma<br />

questão: a marca que porta do Real, do modo com o qual isso guarnece seu gozo, do<br />

inconsciente que isso faz para ele. Misturando monólogo e endereçamento ao Outro,<br />

palavra que escapa e construção laboriosa, pensamento solto e encontro com a vida<br />

(SKRIABINE, 2006). Não é senão a partir do momento em que algo se desencapa que<br />

se pode encontrar um princípio de identidade de si para si. E essa redução de sentido é<br />

algo que se produz no nível da lógica, não do Outro, diz Lacan (1975/1986, p. 41).<br />

A radicalidade desse último ensino lacaniano traz de fato uma novidade com a idéia do<br />

fora do sentido. Mas trata-se de um fora-do-sentido que produz efeitos em relação ao<br />

Simbólico, ao Imaginário e ao Real. O quarto nó que permite a amarração entre os três<br />

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